segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Primeiro Capítulo

O início desta emocionante saga você lê aqui.



Ataque no mar do Nordeste - Costa da Bahia, 15 de agosto de 1942.

Seu Antenor, o chef, consultou o relógio de pulso, 19 em ponto, lançou um olhar crítico para a pequena vela de cera azul fincada no centro do bolo sobre a mesa e ordenou: “Leva, Pedrinho”. O rapaz saiu como um raio por entre o pessoal da cozinha, desviou de dois garçons que vinham entrando e subiu em três saltos a escada que levava para o salão. Ainda ouviu a voz de seu Antenor (“Não vai derrubar o bolo, guri”), quando os acordes da orquestra chegaram até ele. Tocavam Carinhoso, e junto aos acordes vinha o burburinho do salão, aquele ruído de vozes de gente que tinha jantado e bebido com prazer e que agora sussurravam uns aos outros coisas mornas enquanto deslizavam pela pista de dança e a luz das lâmpadas amarelas caía sobre eles. Não podia ter outra temperatura o que os homens sussurravam com lábios úmidos rente às orelhas perfumadas das mulheres, pensa Pedrinho, equilibrando o bolo e olhando os casais dançando suavemente, parecendo flutuar na temperatura sensual, os corpos se roçando com delicadeza e trocando calor, o calor que dava esse desejo lânguido de sussurrar coisas mornas e que acompanhava o balanço
do Baependy ao som de Carinhoso.

Pedrinho passou perto da orquestra, percebeu o olhar guloso e cômico de seu Oscarito, o flautista, que lhe piscou o olho, e aproximou-se da mesa do capitão Silva. “Fósforo, fósforo”, sussurrou o capitão em voz áspera, e vários fósforos e isqueiros foram acesos e logo uma pequena chama crepitava na ponta da vela azul. Algumas palmas se ouviram, mas o capitão Silva levantou um braço, olhando para a orquestra. Com um gesto, o maestro encerrou bruscamente o Carinhoso, os casais pararam de dançar e olharam na direção da mesa do capitão, que batia com uma colherinha na sua taça de champanha. “Vamos fazer um brinde ao nosso imediato, senhor Antônio Diogo de Queiroz, que hoje cumpre 32 anos, 15 dos quais vividos como legítimo homem do mar.” Palmas e vivas, as taças foram erguidas, e os camaradas do imediato Queiroz disseram piadas e bateram nas suas costas e começaram a cantar Parabéns a Você no exato momento em que Harro Schacht, comandante do submarino alemão U-507, observando pelo periscópio o perfil iluminado do Baependy, ordenou, com leve tremor de excitação na voz, “Preparem os torpedos”.

O Baependy era um navio do Lloyd Brasileiro que fazia a linha costeira regular da empresa e tinha saído de Salvador às 7 da manhã, com destino a Recife. Estava prestes a atracar no seu primeiro porto de parada, Maceió. O navio tinha 4.801 toneladas de deslocamento, camarotes confortáveis para passageiros e certa imponência um tanto pesada, fruto de sua origem: fora fabricado na Alemanha. Era antigo troféu da I Guerra Mundial, herdado pelo Lloyd numa nebulosa questão diplomática decidida em favor do Brasil. Enquanto os amigos do imediato Queiroz entoavam o Parabéns a Você, o Baependy navegava a 20 milhas marítimas do farol do Rio Real e transportava 233 passageiros. Desses, a maior parte era de militares do Exército. Era o 7º Grupo de Artilharia, comandando pelo major Landerico de Albuquerque Lima, que conduzia seus comandados de Dorso a Recife, para exercícios de tiro. Os tripulantes do Baependy eram 73 homens, fora os 12 da orquestra, que nesse momento fazia menção de retomar a atividade. Pedrinho parou para olhar e seu coração deu um pulo: Maria Rita, vestido cor de rosa e grande orquídea no cabelo estava diante do microfone. A orquestra começou a tocar Besame Mucho, e o coração de Pedrinho se contorceu de algo que era bom e angustiante, quando sentiu um toque no ombro: “Vai fazer tua obrigação, guri”. Era o cabo Dico, seu irmão mais velho que lhe arrumara este emprego e que arrumara empregos para mais sete membros da família em diversos navios do Lloyd. Quando Pedrinho descia as escadas de volta à cozinha o comandante Harro Schacht, debruçado sobre o periscópio, ordenou fogo. O experiente Korvetkapitän sentiu no corpo o leve tremor do submarino quando os dois torpedos foram acionados. No fim da escada, no corredor que ligava à cozinha, Pedrinho viu pela escotilha a lua cheia surgindo no céu e associou-a à voz de Maria Rita, que começara a enfeitiçar o ar com as palavras do Besame Mucho quando percebeu a coisa brilhante que avançava em direção ao Baependy, alguns centímetros abaixo da superfície do mar. Golfinhos, pensou, mas sabia que esse pensamento era uma grande besteira, a coisa brilhante que avançava para eles não eram golfinhos nem nada parecido.

“Dico”, gritou com desespero, “Dico!” Foi arrebatado pela explosão e ensurdecido pelo estrondo pavoroso. Sentiu a roupa arrancada do corpo pela lufada queimante que corroeu sua pele e logo mergulhava na água morna do oceano e achou que estava bem, tudo ia ficar bem, afinal era o fim, pensou em Dico e em sua mãe, sentiu revolta e dor e pensou outra vez que era o fim, melhor se deixar levar para o fundo sem pensar em nada e de repente estava outra vez na superfície respirando com ânsia e desejando ferozmente viver e se agarrou a um pedaço de tábua que flutuava a sua frente, a tábua bateu em sua testa, deixando-o dolorido e humilhado, com vontade de gritar e de chorar. Por um instante se aquietou, achando estranha a quietude do mar, olhando os destroços flutuantes, ouvindo sons e vozes que não decifrava. Então o mar começou a se agitar bem perto, um ruído veio subindo do fundo, o pavor se apoderou dele quando a menos de dois metros começou a surgir a ponta de aço do submarino, quando a enorme máquina emergiu respingando água, brilhante e cinza, um monstro marinho insensível e poderoso. Numa súbita alucinação lembrou as baleias que via no inverno de sua infância em Imbituba, Santa Catarina. Mas aquilo não era uma baleia. Era um submarino e estava com o dorso todo acima da água. O garoto de 16 anos pôde ler as iniciais U-507 e, pintada no casco, viu a enorme e assustadora suástica. Uma tampa circular foi levantada e surgiram três marinheiros, armados de metralhadoras. Fizeram gestos para ele se aproximar. Um deles jogou uma boia salva-vidas presa a um cabo. Pedrinho vacilou, mas os homens gritavam sem parar e apontaram as metralhadoras. Pedrinho colocou o salva-vidas e se deixou rebocar. Ao ser içado, sentindo sob os pés o casco duro do monstro, percebeu que estava completamente nu. Foi empurrado escada abaixo.

Um comentário:

  1. Seguindo, passo a passo esta obra de um suspense muito sério,sempre por mais e mais... e s p e r o .

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