sábado, 11 de fevereiro de 2012

Quinto Capítulo

Tenho uma missão para o senhor!


O ministro da Guerra, general Dutra, não tinha nenhuma simpatia pelo ministro da Aeronáutica, deputado Salgado Filho. Duas horas antes ouviu Getúlio dizer com sua expressão indecifrável “não me importa o que tu achas dele, Dutra, ele é o homem para a missão”. E agora, duas horas depois, Salgado Filho está no gabinete de Dutra, os dois se olhando nos olhos com o mesmo pensamento, temos um problema nas mãos, um problema grave. “Todos querem entrar na guerra, doutor Salgado, mas com que armas, com que equipamentos?” “Já estamos em guerra, general.” “Isso é o que eu mais ouço atrás desta mesa. Porque afundaram alguns navios na costa não quer dizer que estamos em guerra, doutor Salgado.” “Fomos atacados.” “Sim. Foi covarde, foi vil, estamos feridos e humilhados e a população deseja vingança. É natural. Mas uma guerra nos moldes de hoje, com máquinas de destruição modernas, em proporção industrial, estamos longe de poder enfrentar. Eu sei, sou um soldado profissional. Como vamos patrulhar a costa e defender nossos navios? São 8 mil quilômetros de costa e simplesmente não temos aviões, e os que temos são sucateados, e pior, não temos pilotos, não temos escola de aviação, estamos no zero para enfrentar a máquina de guerra alemã.” “O que o senhor deseja de mim, general?” Dutra estendeu um papel para Salgado Filho. “Esta é a minuta da coisa, o presidente aprovou, vamos ter a reunião de todo o ministério no final da tarde.” Salgado Filho examinou o papel. “Decreto-lei 10.358, agosto de 1942. Mas... é a declaração de guerra à Itália e à Alemanha”, murmurou, com assombro contido. “Exatamente. E eu tenho uma missão para o senhor, da parte do presidente, doutor Salgado: o senhor vai montar nossa aviação de guerra, vai negociar com os americanos e comprar ou alugar ou roubar aviões e vai montar um esquema para a formação de pilotos, isso tudo para ontem, porque como o senhor mesmo diz, já estamos em guerra.” 

Joaquim Pedro Salgado Filho, gaúcho de Porto Alegre, era um advogado de 52 anos que fora toda sua vida militante político estreitamente ligado a Getúlio Vargas. Conspirador de primeira hora na revolução de 30, que levou Getúlio ao poder, foi um implacável chefe de polícia nos primeiros anos da ditadura, e, em seguida, ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. Fora nomeado ministro de uma inexistente Aeronáutica há mais de um ano, mas agora era diferente. Saiu do gabinete de Dutra com o cérebro reverberando de ideias, pois aquele gaúcho calado, que fora um duro chefe de polícia do distrito federal, era um homem de imaginação, e antes de entrar no automóvel e dirigir em direção a Copacabana já estava montando um plano. Além da falta de aviões e de pilotos, a deficiência da aviação brasileira consistia na absoluta falta de unidade de suas aeronaves. Os 430 aparelhos em uso pertenciam a 35 modelos diferentes, o que gerava um monumental problema de manutenção. Ele sabia que o Congresso americano tinha criado um sistema para negociar seus aviões com os ingleses, que sofriam horrivelmente com os ataques aéreos dos alemães e sofriam ainda mais porque não tinham dinheiro para comprar aviões. O sistema se chamava Lendlease Act, ato de empréstimos e arrendamentos, e Salgado Filho logo instalou em Washington uma Comissão de  Compras. E para San Antonio, no Texas, onde havia uma grande base aérea, enviou dezenas de jovens universitários, a fina-flor da sociedade carioca, muitos paulistas e gaúchos que falavam inglês, e, é natural, no esplendor da juventude ansiavam por aventura. Em seis meses já havia muitos pilotos formados e ávidos para entrar em ação e centenas de aviões negociados entre os dois governos. Um belo dia levantaram voo, de uma fábrica em Maryland, nada menos que 150 aparelhos que voaram em formação para o Rio de Janeiro, numa impressionante jornada com 46 escalas, da fábrica até os aeroportos do Galeão e de Santos Dumont. De 1942 até o final da guerra, 1945, o Brasil negociou 1.288 aviões novinhos com os Estados Unidos. Mas no segundo semestre de 1942 a situação na costa brasileira era de medo. Os ataques dos submarinos aumentavam de intensidade, e no mês de novembro nove navios mercantes foram afundados, com centenas de mortos. E no mês de dezembro a contagem não poderia ser pior: 12 navios, milhares de vítimas. No ano de 1942, de fevereiro a dezembro, 24 navios mercantes e de passageiros foram atacados e afundados. Nenhum submarino alemão ou italiano foi sequer danificado. Havia estupor, consternação e revolta na sociedade brasileira, e uma sensação de impotência nas Forças Armadas. Enquanto essas tensões dividiam o país, os aviões chegavam e se instalavam ao longo da costa, começando a formar uma rede de defesa e patrulha que esperava o momento de ser testada. Havia três tipos de aviões: o Catalina, o Hudson e o Ventura. Foram distribuídos desde Florianópolis até Fortaleza. E no primeiro semestre de 1943 os pilotos percorreram o litoral brasileiro de olho no mar, buscando submarinos inimigos, mas nenhum apareceu. Havia boas razões para isso. Hitler tinha planos ambiciosos no Mar do Norte. Em março os submarinos alemães colheram suas mais impressionantes vitórias, quando atacaram dois comboios aliados. Uma formação de 44 submarinos atacou coordenadamente os comboios e afundou num único dia 22 navios. A tragédia causou uma crise emocional profunda entre os aliados, e eles se organizaram meticulosamente para revidar. E o revide não demorou: dois meses depois, uma ação conjunta da marinha e aviação aliadas cercou e destruiu 41 submarinos alemães, obrigando Hitler a rever sua estratégia. E foi Hitler pessoalmente que ordenou a mudança dos campos de caça para territórios menos vigiados: apontou seus submarinos mais uma vez para a costa brasileira. Mas agora aviões vigiavam a costa, com pilotos jovens e decididos. Um deles, com seu bigode da moda, era o aspirante aviador Sérgio Schooner. Comodamente instalado numa cadeira na sala de oficiais no QG do aeroporto Santos Dumont, xícara de café na sua frente, cigarro fumegando no cinzeiro e uma revista cheia de fotos das coristas do Cassino da Urca em suas mãos, Sérgio disfarçava o tédio quando um major americano entrou esbaforido na sala: “There is a submarine out there! Go there and get it!” Ou seja: “Tem um submarino lá fora! Vai lá e pega ele!” Sérgio engoliu o resto do café, apagou o cigarro no cinzeiro e saiu acelerado em direção à pista. Ao sol da manhã, com sua tripulação completa, o Hudson 73 esperava. Vai ser agora, pensou, trêmulo de excitação: batismo de fogo em pleno mar do Rio de Janeiro. 

Próximo capítulo: Combate no Rio de Janeiro.

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