sábado, 25 de fevereiro de 2012

Sétimo Capítulo

A primeira vitória



O Catalina mergulhou na direção do submarino com todas as metralhadoras disparando. Torres procurava conter a exaltação que o tomava pois percebeu os demais membros da tripulação contagiados pela vertigem do combate. Gritavam e esbravejavam como se fossem para um corpo a corpo com o inimigo. O aspirante aviador Alberto Martins Torres, o Betinho, ano e meio atrás era um jovem bronzeado pelo sol da praia de Copacabana e morador da mítica Rua Montenegro, mas também um universitário de Direito preocupado com o futuro, quando os jornais mostravam as desoladoras fotos dos náufragos dos navios torpedeados pelos submarinos alemães, chegando a terra feridos, mutilados, enrolados em cobertores e tendo nos olhos incredulidade e horror. Aquilo naturalmente indignou seu jovem coração, e logo estava participando de marchas em meio à multidão de estudantes rumo ao Catete a fim de pressionar Getúlio, gritando “abaixo o nazismo”. 

A rotina de marchar pelas ruas, gritar palavras de ordem e pintar cartazes e faixas com os colegas do diretório acadêmico não era mais o bastante. Tinha chegado para o jovem Torres o momento de escolher o seu destino. Caminhando no centro do Rio, com uma pasta carregada de processos da empresa de advogados onde fazia estágio, encontrou dois companheiros de praia vestidos de terno e gravata. Após as perguntas de praxe, mostraram num papel mimeografado para onde iam. “Ministério da Aeronáutica, fica aqui pertinho, ó, na Rua México, 74.” Alistou-se, foi selecionado e em muito menos tempo do que imaginava estava a bordo de um navio indo para os Estados Unidos aprender a pilotar aviões. Era bom em idiomas, pois seu pai era diplomata e ele já vivera nos Estados Unidos, na Alemanha e na Turquia. Na travessia de navio para a América do Norte fazia plantão no cesto da gávea. A missão era observar navios ou aviões ou submarinos inimigos, coisa que lhe parecia brincadeira boba daqueles americanos, afinal nunca apareceu nenhum inimigo nem foram atacados por ninguém. O curso foi mais excitante do que imaginou e sentiu-se realizado e familiar com os aviões, seu inglês ficou perfeito e ainda fez uma extensão de aprimoramento de combate numa base americana no Panamá, junto com mais 28 pilotos aprendizes como ele. A juventude estava lhe oferecendo seu doce sumo, a aventura, e ele a recebia agradecido e cheio de energia. Foi escolhido para trazer ao Brasil aviões negociados pelo governo Vargas com os americanos. Participou de um épico voo de 150 aeronaves, de San Antonio, no Texas, até diversos aeroportos na costa brasileira, realizando 25 escalas para abastecer. Familiarizaram-se com as novas máquinas, treinaram intensamente na costa e agora aí estava ele, a 20 milhas do Rio de Janeiro, de sua praia, de seu apartamento, mergulhando na direção de um submarino alemão e atirando com todas as metralhadoras ao mesmo tempo, para aumentar o efeito moral. O ataque foi pelo lado esquerdo do submarino e quando passou sobre ele largou três cargas de profundidade Mark 44. A regulagem delas estava marcada para um alcance de 12 metros, que é o máximo que o submarino desceria caso estivesse iniciando o mergulho, e isso significava que ele seria atingido de qualquer jeito. E foi. O jovem Torres viu como ele se movia abruptamente e viu grandes ondas se elevarem a seu redor. “Está ferido, o monstro”, gritou, e os urras da tripulação embalaram o novo mergulho. Agora o ataque seria pela direita, e, quando se aproximaram, viram que o U-199 começava a afundar. Largaram as três bombas, viram os jorros de água e a maneira desesperada com que o submarino balançou e viram homens correndo em sua superfície e jogando-se na água. O Catalina mergulhou mais uma vez pleno de fúria e jogou uma quarta bomba como se fosse um tiro de misericórdia. Depois subiu bem alto, fez mais uma curva e desceu sobre ele. Jogaram duas balsas de borracha para os sobreviventes. Os alemães amarraram uma balsa à outra e começaram a remar. Para se comunicar com os comboios dos quais faziam a vigilância, os aviões usavam sinais através da lâmpada Aidis. Torres falava bem o alemão, graças aos seus anos de estudante em Munique. Comunicou aos náufragos através da lâmpada que não precisavam remar, bastava esperar que um navio iria recolhê-los. Os atônitos e há pouco tempo orgulhosos tripulantes do gigante U-199 devem ter se perguntado que gente era essa, que ainda por cima sabia falar alemão fluentemente.

Nessa noite houve brindes e euforia na Base Aérea do Galeão, e depois Torres foi procurar seus amigos de praia num bar do Copacabana Palace. Sabia que queria ser visto e elogiado. O Rio estava em festa, e os boatos circulavam com velocidade. Viu o tenente Smith cercado de belas mulheres, passou ao largo e deu de frente com o capitão Marcos. Antigo colega nos cursos de inglês e francês que casualmente faziam juntos, ouvira histórias a respeito dele. Diziam que era homem da inteligência militar, portanto ligado à ditadura de Getúlio. Torres detestava essa estirpe de oficiais. “Ora, ora”, disse Marcos, “não é todo dia que a gente encontra um herói de verdade, dá cá um abraço. Vamos brindar ao grande feito, hoje o exército paga; viu o tenente Smith ali?” “Vi, ele está mais gabola do que eu, não quero concorrência.” Riram, conseguiram uma mesa, pediram bebidas. “Estão cada vez mais complicados os preparativos para montar um contingente para mandar para a guerra. Dá para sentir”, e Torres perguntou: “Quais as reais intenções de Getúlio, afinal, de que lado ele está”, e Marcos: “É certo que nem o próprio Getúlio sabe”. No meio de outra pergunta Torres calouse, pois duas jovens (belas e bronzeadas, anotou mentalmente) aproximaram-se da mesa. Ambos se puseram de pé, e Marcos um pouco solene, um pouco zombeteiro, apresentou-as. “Minha prima Zoé e sua melhor amiga, Dulce, flores agrestes do sertão do Nordeste; vocês acabam de chegar bem na hora, meninas, pois este jovem é o nome do dia, o maior herói brasileiro desta guerra que agora sim começou; ele afundou o submarino hoje de manhã”. O olhar das duas foi de espanto, de admiração e de dúvida. “É verdade”, disse Marcos, “foi ele mesmo; o que me incomoda, Torres, é que estas duas beldades morenas não me procuram por minhas exuberantes qualidades, mas por meu pouco prestígio, elas querem ser enfermeiras, Torres, imagina só, querem ir para a guerra".

Próximo capítulo: Dulce e Zoé entram na FEB

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