44.
“Um batalhão tem
mais ou menos 700 homens, estamos atacando com três batalhões, mais de 2 mil
homens, portanto.” “E quem comanda os batalhões?” “O coronel Caiado de Castro e
os majores Uzeda e Franklin. Cada um comanda um batalhão. Esses três oficiais
são os encarregados de chegar ao topo da montanha, tomá-la dos alemães e manter
o terreno conquistado.” “Mas esses batalhões não são daquele mesmo regimento
que... bem... foi batido... digamos, fracassou... nos ataques anteriores?” Havia uma ponta de maldade na pergunta do
jornalista, já que todos sabiam a história do confronto do Regimento Sampaio
com os alemães defensores do Monte Castelo. E havia mais: todos os que sabiam, agora
observavam. Aquele era um momento de decisão: o Regimento Sampaio estava
jogando toda sua história, passado e futuro, naquele único ataque. “Ele mesmo”
respondeu o major. “O Sampaio. O Onze de São João dos Queijos. Foi batido e
humilhado. Mas o general Mascarenhas tem confiança nele. O Sampaio vai á forra,
meu amigo.” “Mas não é uma temeridade? E se não der...” “Vai dar. Desta vez o
mecanismo do ataque é aquele que a FEB vem postulando desde o novembro do ano
passado, quando começaram estas operações” disse o major Alcyr, admirando a
audácia do repórter brasileiro que conseguira chegar até o Posto de Comando da
10º. Divisão de Montanha, onde o major servia como oficial de ligação. Como o
repórter tinha chegado ali era um mistério. “A Décima já cumpriu a Fase A do
plano, que é tomar as elevações dos montes Belvedere e Gorgolesco. Neste
momento está se deslocando para Capela de Ronchidos. Depois deles ocuparem essa
área o Sampaio sobe a montanha, com proteção nos flancos, fato que não
aconteceu nas vezes anteriores. A operação da Décima na noite anterior foi
exitosa mas nada fácil. Logo na saída, um dos projetores que deveriam fazer o
luar artificial para os montanheses se equivocou e iluminou a base de partida
onde se encontrava a Décima aguardando a ordem de iniciar o ataque. Os alemães
os viram e mandaram um forte fogo de barragem, o que causou pesadas perdas e um
início de pânico. As perdas foram tão graves que o batalhão atingido foi
substituído por um da reserva. Mas normalizadas as coisas o ataque foi ordenado
e eles tomaram o Gorgolesco e o Belvedere, subindo pelo lado mais vertical,
onde os alemães jamais imaginariam que fossem atacados.” “E quando o Sampaio
ataca?” O major Aldyr olhou o relógio. Eram 15 horas em ponto. “Agora.” A quatro
quilômetros dali, em seu Posto de Comando na subida da montanha, Zenóbio
apanhou o telefone e falou: “Caiado? Está me ouvindo? Passe a ordem: comece a
ofensiva.” E assim, as grandes massas de soldados do Regimento Sampaio começaram
a se mover lentamente, subindo a encosta íngreme. Estava um dia azul e gelado,
ainda havia espaços cobertos de neve, mas a progressão era a luz do dia, o que
diminuía o desconforto mas aumentava o perigo. O Grupo de Combate do sargento
Nilson marchava bem a frente dos demais, tendo o soldado Bandeira como
esclarecedor. Eles subiam com a sensação esquisita de que já conheciam aqueles
caminhos. “Estivemos aqui antes” disse Bandeira, “logo ali fica Abetaia.” Aquele
nome provocava amargas lembranças: lá tinham entrado no Corredor da Morte, sem
a prometida proteção dos flancos, e deixaram dezenas de mortos sem sepultura. Nesse
momento o ordenança de Zenóbio passa o telefone para ele. Zenóbio escuta. É o
major Aldyr: “General, a Décima está encrencada na região de Capela de
Ronchidos.” “O que acontece?” “Estão detidos pelo fogo inimigo. É muito forte.
Se o batalhão Uzeda avançar vai ficar sem proteção, a história vai se repetir.”
“Me mantenha informado.” E desligou. Se os americanos não ocupassem Capela de
Ronchidos o pesadelo regressaria. O batalhão Uzeda ficaria num fogo cruzado,
servindo de alvo. O que fazer? Mandar Uzeda esperar pelos acontecimentos ou
continuar avançando? Enquanto pensava ouviu o ronco dos aviões passando baixo,
um ronco possante que lhe deu um ímpeto de alegria. “É a FAB! São os nossos.”
Correu para fora da casa de pedra e viu a esquadrilha de bombardeiros voando em
formação sobre as montanhas, perfeita contra o céu azulado. “É a nossa força
aérea! São os malucos do Moreira Lima! Agora os alemães vão sentir as bombas do
Senta a Pua! Quero o Uzeda avançando, a FAB veio dar uma mão para a Décima.” E
foi isso o que aconteceu. A Força Aérea Brasileira bombardeou com precisão os
canhões e tanques alemães, destruindo muitos. O poder de fogo dos defensores do
Monte Castelo diminuiu drasticamente. Os americanos da Décima sentiram o vacilo
e tornaram a avançar com energia, saindo dos esconderijos. O batalhão Uzeda
arremeteu pelo Corredor da Morte, mas desta vez não caiu em armadilha alguma.
As 17;30 hs brasileiros e americanos se encontraram a beira de um precipício e
houve um instante de estranhamento quando ficaram frente a frente. Mas logo o
largo sorriso do inconfundível esclarecedor Bandeira desarmou os corpulentos
soldados da Décima de Montanha. “São os brasileiros!” “São os americanos!”
gritaram uns para os outros. Americanos e brasileiros confraternizaram durante
alguns instantes, trocaram abraços, cigarros e chocolates. O ordenança passou o
telefone para Zenóbio. “É o general Mascarenhas de Moraes.” “Zenóbio, o general Crittenberg dá os parabéns
pela arrancada da 1ª. Divisão de Infantaria e manda sustar a progressão por
hoje. A tarefa e manter rigorosamente as posições conquistadas. Vamos tomar
fôlego para a última etapa do ataque, amanhã.” “Muito bem, general, amanhã é
que vai ser duro.” “Exatamente. Prepare patrulhas fortes para sondar o inimigo
durante a noite, busque o contato, e ocupe as posições que ele abandonar.”
“Sim, senhor, comandante.” E desligou, procurando decifrar o pressentimento que
o rondava. Naquela noite os três batalhões do Regimento Sampaio dormiram muito
pouco, atentos a noite gelada, a ruídos inesperados, a canhonaços distantes
ecoando nas vastidões escuras. Quando começasse a amanhecer sabiam que teriam
de retomar a marcha e subir a parte mais difícil da escalada e, quem sabe,
enfrentar o maior desafio de suas vidas. “Quanto falta para chegar lá em cima,
sargento?” perguntou Pedrinho. O sargento acendeu o cigarro: “Muito.”
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