46.
Sentindo cada vez mais próximo o ruído das explosões, Brayner foi se
aproximando do Posto de Comando da Infantaria, onde estava o general Zenóbio da
Costa no comando do ataque. Encontrou Zenóbio carrancudo, com as mãos ás
costas, e caminhando de um lado para o outro, olhar cravado no coronel Caiado
de Castro. Este, manobrando um telefone e o rádio, falava ansiosamente com o
major Uzeda, detido na última etapa da arrancada para o cimo do Monte pela
barragem de canhões e morteiros dos alemães. Na sala ardia um fogo na lareira,
e vários oficiais e sargentos, todos atarefados, mexiam em papéis e falavam aos
telefones. Brayner solicitou para falar a Zenóbio reservadamente. Afastaram-se
para outra sala. Brayner contou a visita do Mark Clark e a pressão de
Crittenberg. “Que ele fizesse isso já era de se esperar.” “Sabemos, general,
mas o general Mascarenhas também está preocupado com a lentidão. Ele quer que o Castelo seja tomado ainda com
a luz do dia.” “Eu sei, eu sei, isso é o que todos querem, eu quero, você quer,
o comandante em chefe quer. Quem tem de dar a ordem para o lance final é o
Caiado, mas ele não se resolve.” E num
arrebatamento, abriu a porta e voltou para a sala de comando, aproximando-se do
coronel Caiado de Castro. “Já disse a este camarada que dê imediatamente ordem
para o ataque final ou eu irei pessoalmente atacar com o batalhão de reserva e
o pessoal do estado-maior da Infantaria Divisionária que está comigo. Não tem
outra alternativa.” Caiado de Castro se levantou num salto, muito pálido.
“General, meu único intuito com a cautela é evitar o sacrifício inútil de
vidas. Estamos sofrendo muitas perdas.” “Mas, meu caro, você quer conquistar o
Monte Castelo com homens ou com flores?” Todos os olhares da sala convergiram
para os dois homens. Brayner interviu: “Afinal, o que devo dizer ao general
Mascarenhas?” “Diga ao general Mascarenhas que dentro de 20 minutos estarei em
cima do monte Castelo, sem qualquer dúvida.” E dirigindo-se ao tenente-coronel
Ademar de Queiroz, seu chefe de comunicações: “Transmita ao comando da
Artilharia Divisionária o pedido de uma última concentração de 5 minutos de
duração com a mais viva cadência e o máximo de potência, com a totalidade dos
meios. Vamos partir para o ataque final. Brayner, essa é minha resposta ao
general Mascarenhas.” E estendeu a mão para apanhar o telefone de Caiado, mas
este não o entregou. Com amarga dignidade disse: “Eu estou no comando dos
batalhões, general. Eu darei a ordem.” E discou mais uma vez o aparelho. “Alô,
major Uzeda? A ordem é atacar agora. Agora. Com tudo. Só pare quando estiver na
cota 977.” Depositava lentamente o telefone no apoio quando Brayner o apanhou.
“Com licença. Alô, major Uzeda? Aqui é Brayner. O comandante da Divisão está
acompanhando sua magnífica ação. Eu o felicito e desejo boa sorte no lance
final.” “Obrigado, meu coronel. Eu não o decepcionarei, meu caro mestre.”
Brayner largou o telefone e olhou os rostos ao redor. Havia intensa emoção em
todos. “Vou indo, senhores, vou levar essa mensagem ao comandante.” E saiu
porta afora, seguido pelos seus dois acompanhantes. A 700 metros dali, o major Olívio
Uzeda coçou o bigode, olhou para o tenente Iporan e o sargento Nilson e disse:
“Agora não paramos mais. Vamos com tudo, macacada.” E durante curto instante
ficou como flutuando longe, pensativo, e então sacudiu a cabeça com força e levantou
a mão que empunhava a metralhadora. Fez o sinal de avançar. Jogou o corpo para
a frente. E sentiu que todo seu
batalhão, mais de 800 homens, como eletrizados, o seguiram no movimento. O
major Franklin, no outro lado da montanha, percebeu que aumentava
consideravelmente o fogo da artilharia brasileira contra o Castelo e gritou: “O
Cordeiro tá querendo destruir o mundo! Alerta! Vamos nos preparar para a
arrancada! Todo mundo um passo a frente!” E o terceiro batalhão do ataque,
comandado pelo major Sizeno, o último a entrar em movimento, recebeu ordem de
avançar pelo centro. A montanha parecia viva, com aqueles milhares de homens se
deslocando sobre ela. “Formigas no lombo de um elefante” murmurou Bóris
Schneidermann para Carlos Scliar,agarrado ao telefone, ambos a meio metro do
general Cordeiro de Farias, calculando as coordenadas e mantendo o pedido de
Zenóbio enquanto os homens rastejavam e se aproximavam cada vez mais do cimo da
montanha maldita. “A noite vai chegar” disse Uzeda, “vamos fazer mais um
esforço, moçada!” E Pedro Diax e o gago Atílio e o alemão Vogler e o esclarecedor
Bandeira e o cabo Quevedo e os sargentos Nilson e Max e os tenentes e os
capitães todos rastejando, resfolegando, suando, se espetando nas pedras e
gemendo e ficando surdos com tanta explosão foram subindo e se arrastando e de
repente aparecem vultos de alemães com
as mãos para cima. “Entreguem as armas, entreguem as armas!” Os alemães não
entendiam mas entregavam as armas, mais alemães surgiam dos buracos, pálidos e
atarantados e eram cercados e desarmados e empurrados para um canto e os brasileiros
subiam cada vez mais e como num sonho o major Olívio Uzeda galga uma rocha
redonda e percebe que está praticamente no alto da montanha e dá um grito
selvagem, um grito de alívio, um grito sufocado lá dentro desde três meses
atrás quando pela primeira vez tentaram subir a montanha e foram escorraçados e
então ele vê vultos a 100 metros dali e são brasileiros, são mais brasileiros
do Sampaio e são nada mais nada menos do que os homens do Batalhão Franklin,
então eles conseguiram meu Deus, eles também conseguiram, e o major Uzeda sente
as forças triplicarem e corre cada vez mais para o alto da montanha e puxa um
dos soldados do Batalhão Franklin e pergunta cadê o Emílio, cadê o Emílio e
ouve a voz do major Emílio Rodrigues Franklin dizer estou aqui estou aqui e
então os dois soldados se olham e depois se abraçam.
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