quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Monte Castelo: A Conquista

46.


Sentindo cada vez mais próximo o ruído das explosões, Brayner foi se aproximando do Posto de Comando da Infantaria, onde estava o general Zenóbio da Costa no comando do ataque. Encontrou Zenóbio carrancudo, com as mãos ás costas, e caminhando de um lado para o outro, olhar cravado no coronel Caiado de Castro. Este, manobrando um telefone e o rádio, falava ansiosamente com o major Uzeda, detido na última etapa da arrancada para o cimo do Monte pela barragem de canhões e morteiros dos alemães. Na sala ardia um fogo na lareira, e vários oficiais e sargentos, todos atarefados, mexiam em papéis e falavam aos telefones. Brayner solicitou para falar a Zenóbio reservadamente. Afastaram-se para outra sala. Brayner contou a visita do Mark Clark e a pressão de Crittenberg. “Que ele fizesse isso já era de se esperar.” “Sabemos, general, mas o general Mascarenhas também está preocupado com a lentidão.  Ele quer que o Castelo seja tomado ainda com a luz do dia.” “Eu sei, eu sei, isso é o que todos querem, eu quero, você quer, o comandante em chefe quer. Quem tem de dar a ordem para o lance final é o Caiado, mas ele não se resolve.”  E num arrebatamento, abriu a porta e voltou para a sala de comando, aproximando-se do coronel Caiado de Castro. “Já disse a este camarada que dê imediatamente ordem para o ataque final ou eu irei pessoalmente atacar com o batalhão de reserva e o pessoal do estado-maior da Infantaria Divisionária que está comigo. Não tem outra alternativa.” Caiado de Castro se levantou num salto, muito pálido. “General, meu único intuito com a cautela é evitar o sacrifício inútil de vidas. Estamos sofrendo muitas perdas.” “Mas, meu caro, você quer conquistar o Monte Castelo com homens ou com flores?” Todos os olhares da sala convergiram para os dois homens. Brayner interviu: “Afinal, o que devo dizer ao general Mascarenhas?” “Diga ao general Mascarenhas que dentro de 20 minutos estarei em cima do monte Castelo, sem qualquer dúvida.” E dirigindo-se ao tenente-coronel Ademar de Queiroz, seu chefe de comunicações: “Transmita ao comando da Artilharia Divisionária o pedido de uma última concentração de 5 minutos de duração com a mais viva cadência e o máximo de potência, com a totalidade dos meios. Vamos partir para o ataque final. Brayner, essa é minha resposta ao general Mascarenhas.” E estendeu a mão para apanhar o telefone de Caiado, mas este não o entregou. Com amarga dignidade disse: “Eu estou no comando dos batalhões, general. Eu darei a ordem.” E discou mais uma vez o aparelho. “Alô, major Uzeda? A ordem é atacar agora. Agora. Com tudo. Só pare quando estiver na cota 977.” Depositava lentamente o telefone no apoio quando Brayner o apanhou. “Com licença. Alô, major Uzeda? Aqui é Brayner. O comandante da Divisão está acompanhando sua magnífica ação. Eu o felicito e desejo boa sorte no lance final.” “Obrigado, meu coronel. Eu não o decepcionarei, meu caro mestre.” Brayner largou o telefone e olhou os rostos ao redor. Havia intensa emoção em todos. “Vou indo, senhores, vou levar essa mensagem ao comandante.” E saiu porta afora, seguido pelos seus dois acompanhantes. A 700 metros dali, o major Olívio Uzeda coçou o bigode, olhou para o tenente Iporan e o sargento Nilson e disse: “Agora não paramos mais. Vamos com tudo, macacada.” E durante curto instante ficou como flutuando longe, pensativo, e então sacudiu a cabeça com força e levantou a mão que empunhava a metralhadora. Fez o sinal de avançar. Jogou o corpo para a frente.  E sentiu que todo seu batalhão, mais de 800 homens, como eletrizados, o seguiram no movimento. O major Franklin, no outro lado da montanha, percebeu que aumentava consideravelmente o fogo da artilharia brasileira contra o Castelo e gritou: “O Cordeiro tá querendo destruir o mundo! Alerta! Vamos nos preparar para a arrancada! Todo mundo um passo a frente!” E o terceiro batalhão do ataque, comandado pelo major Sizeno, o último a entrar em movimento, recebeu ordem de avançar pelo centro. A montanha parecia viva, com aqueles milhares de homens se deslocando sobre ela. “Formigas no lombo de um elefante” murmurou Bóris Schneidermann para Carlos Scliar,agarrado ao telefone, ambos a meio metro do general Cordeiro de Farias, calculando as coordenadas e mantendo o pedido de Zenóbio enquanto os homens rastejavam e se aproximavam cada vez mais do cimo da montanha maldita. “A noite vai chegar” disse Uzeda, “vamos fazer mais um esforço, moçada!” E Pedro Diax e o gago Atílio e o alemão Vogler e o esclarecedor Bandeira e o cabo Quevedo e os sargentos Nilson e Max e os tenentes e os capitães todos rastejando, resfolegando, suando, se espetando nas pedras e gemendo e ficando surdos com tanta explosão foram subindo e se arrastando e de repente  aparecem vultos de alemães com as mãos para cima. “Entreguem as armas, entreguem as armas!” Os alemães não entendiam mas entregavam as armas, mais alemães surgiam dos buracos, pálidos e atarantados e eram cercados e desarmados e empurrados para um canto e os brasileiros subiam cada vez mais e como num sonho o major Olívio Uzeda galga uma rocha redonda e percebe que está praticamente no alto da montanha e dá um grito selvagem, um grito de alívio, um grito sufocado lá dentro desde três meses atrás quando pela primeira vez tentaram subir a montanha e foram escorraçados e então ele vê vultos a 100 metros dali e são brasileiros, são mais brasileiros do Sampaio e são nada mais nada menos do que os homens do Batalhão Franklin, então eles conseguiram meu Deus, eles também conseguiram, e o major Uzeda sente as forças triplicarem e corre cada vez mais para o alto da montanha e puxa um dos soldados do Batalhão Franklin e pergunta cadê o Emílio, cadê o Emílio e ouve a voz do major Emílio Rodrigues Franklin dizer estou aqui estou aqui e então os dois soldados se olham e depois se abraçam.

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