A sociedade secreta
Com o Brasil alvo de ataques dos submarinos alemães, agente tenta se infiltrar em misterioso grupo nazista
O Hotel Copacabana Palace
resplandecia ao som
dos
metais de uma banda
de jazz
quando o
capitão
Marcos subiu os degraus
da entrada, num terno de
linho branco e sapato de duas cores. Parou
no último degrau e colocou um cigarro
na piteira. As pessoas passavam por ele
exalando perfumes fortes, havia ombros e
decotes bronzeados e tensão sexual. Parou
na entrada e deu um olhar ao cartaz: Carmen
Miranda e o Bando da Lua. Isto vai
lotar, pensou. Atravessou o Salão Imperial
e saiu para o pátio. Circulando a piscina,
exatamente como lhe dissera ao telefone,
viu a bela Adelaide. Entre centenas de
mulheres belíssimas que transitavam por
ali, Adelaide se destacava sem o menor
esforço. Ela tomou seu braço: atrasado
como sempre, capitão. Desculpe, querida,
o dever. Estavas torturando algum pobre
sindicalista? Piada sem graça, disse Marcos.
Ui, meu capitãozinho é sensível, vem,
vem que vou te apresentar nosso homem,
ele tem a senha. Cada vez chegava mais
gente ao Copacabana. Eu tinha pensado
em entrevistar a Carmen para a coluna,
mas hoje parece que não vai dar, disse
Adelaide e de repente se eletrizou, olha
ali, olha ali, o Adhemar Gonzaga, o dono
da Cinédia, eu tenho uma ideia fantástica
para uma comédia, preciso falar com ele.
Depois, disse Marcos, vamos achar nosso
homem. Lá está ele, disse Adelaide, aquela
baleia rosadinha. Afundado num sofá estava
um homem gordo, o corpanzil parecendo
querer sair do terno de linho. Querido,
te apresento Herr Ehrhardt Blücher,
discípulo dileto do mestre Dietrich Eckart.
O gordo fez um gesto casual, convidando
Marcos a sentar. Apenas um humilde
membro da Sociedade, capitão, muito
prazer, a nossa Adelaide me falou muito
no senhor, já vou lhe dizendo que fizemos
uma pequena investigação a seu respeito
e achamos que podemos convidá-lo para
uma troca de ideias. Falava português
com dificuldade mas segurança, e olhava
Marcos direto nos olhos, com uma espécie
de simpatia e desafio, meu carro está aqui
perto, vamos andando? Havia um chofer
que abriu a porta com cerimônia, Marcos
sentou no banco detrás com Adelaide,
o gordo Blücher disse desculpe, simples
segurança e colocou um óculos escuro
em seus olhos, os óculos estavam vedados com uma tarja preta e Marcos sentiu que o carro arrancava sem enxergar absolutamente nada. O trânsito está difícil, disse o motorista, há uma concentração muito grande lá perto do Catete. Dirija sem comentário, disse o gordo, obrigado. A Sociedade existe há mais de 700 anos, capitão, vários membros são iniciados na Doutrina, foi ela quem abriu os centros de visão do Führer. Marcos sentia a presença do mar à sua esquerda, estamos indo para o Sul, então. Eu admiro o seu país, tão ingênuo, tão prosaicamente paradisíaco, vocês são um gigantesco país agrícola que tem 3 mil tratores, na Alemanha, um país industrial, nós temos 80 mil e ainda achamos pouco, não digo isso com soberba, eu sei que tudo é fruto do Veem, sabedoria da raça ariana acumulada desde os tempos dos Cavaleiros Teutônicos, sabedoria para iniciados na nossa Sociedade Thule, um modesto braço do Partido, enterrado profundamente na nossa tradição mais pura. É que nós somos um povinho, disse Adelaide, uma típica sub-raça. Não diga isso, sussurrou Marcos. É verdade, insistiu Adelaide, sabe aquela história de que Deus fez um paraíso na terra, as melhores praias, as montanhas mais lindas etc. e como reclamassem de favorecimento Deus disse esperem para ver o povinho que eu vou botar lá e Adelaide deu uma gargalhada e Blücher a acompanhou, essa é boa, essa é muito boa. Vou botar essa história amanhã na minha coluna, o Rubem vai ficar maluco, as unhas de Adelaide se cravaram na palma de sua mão e Marcos fechou os olhos e os deixou fechados lembrando que a pistola ficara no apartamento, que estava sendo levado na noite escura por um desconhecido gordo cuja voz agora dizia temos grandes coisas a construir, capitão, nós o investigamos e sabemos que não é um homem violento, há uma violência que se origina do caos e nos dirige para o caos, e há uma violência cuja natureza é geradora de cosmos... é no sentido cosmo-criativo que desejamos discutir, uma conversa entre homens criativos, e não entre violentos. Marcos deixou de escutar, ficou atento aos ruídos fora do carro, apenas distinguia o murmúrio do mar, sentindo crescer dentro dele uma angustia que se traduzia num pensamento fixo: não fui treinado para isto. Meia hora depois o carro sacudia fazendo-o chocar contra o corpo macio de Adelaide, a estrada parecia ser de cascalho. Chegamos, disse o gordo, não tire os óculos, por favor.Quando tiraram meus óculos eu não acreditei no que via. Estava numa sala de pé direito muito alto, estandartes nazistas nos quatro cantos da sala, um baita retrato do Hitler numa parede e um círculo de pessoas com capuzes e batas que iam até o chão. Bem vindo a nossa Sociedade, disse um sujeito atrás de uma mesa, sentado, com um livro aberto na frente dele. Achei aquilo tudo muito ridículo, coronel, mas o que eu sentia mesmo era o medo crescendo na minha barriga. Por que na barriga? Sei lá, era ali que eu sentia uma pontada gelada, a Adelaide não estava e nem o gordo Blücher, quer saber, coronel, eu não fui treinado para isso. Nenhum de nós foi. Pois é, eles começaram a fazer perguntas sobre o Serviço, disseram que eu devia ser sincero, que era apenas um teste, disseram que sabiam como a gente opera, e sabiam mesmo, isso é coisa do Filinto Müller, com certeza. Deixa o Filinto fora disso, já temos problemas demais, parece mesmo que vão declarar guerra à Alemanha, o Filinto está em palpos de aranha. Está no papo do Aranha, disse Marcos e se arrependeu imediatamente sentindo-se idiota. Trocadilho genial, disse o coronel com gélida ironia, deu para saber onde fica a tal casa? Vou rastrear, esta tarde vou tentar refazer o caminho, o Palma vai dirigir. E a Adelaide? Vamos deixar ela em paz por enquanto, coronel, não podemos desperdiçar esse trunfo, ela conhece todos esses nazistas e vai nos levar até eles. Sim, meu filho, e se ela for parar na cadeia você vai perder o seu... e o coronel fez um gesto obsceno. O capitão Marcos, irritado, colocou um cigarro na piteira. Quero um relatório, Marcos, por escrito e completo, até meio-dia, aqui na minha mesa.
Próximo capítulo: O horror da guerra chega a Maceió
Nenhum comentário:
Postar um comentário