sábado, 18 de fevereiro de 2012

Sexto Capítulo

Combate no Rio de Janeiro



O U-199 era o mais moderno e o maior submarino construído pelos alemães para a guerra no mar. O comandante Hans Werner Kraus tinha mandado pintar na torre do U-199 o perfil de um barco viking, para sua inspiração. Ele venerava as tradições marítimas escandinavas, e a pintura do barco viking em seu submarino servia para recordá-lo de que o mar era um constante desafio. Tanto para uma embarcação como aquele antigo veleiro dos guerreiros do Norte como para uma nave poderosa, tal a que ele recebera para comandar. Hans recebera o cobiçado comando da nave por seus méritos. Tinha sido imediato da lenda viva da marinha alemã, o comandante Günther Prien, a bordo do U-47, quando num golpe de extraordinária audácia invadiram a base britânica de Scapa Flow e afundaram o couraçado Royal Oak, para espanto do mundo em guerra. Com as novas diretrizes de Hitler, levar mais uma vez a guerra ao Atlântico Sul, o recém-inaugurado U-199 partiu para sua primeira missão em maio de 1943. Em junho, estava na costa do Brasil, farejando presas como um tubarão faminto. Não avistou nada que instigasse sua cobiça e passou por Rio Grande e Florianópolis, rumo ao Norte. Teve mais sorte no dia 27 de junho, ao se aproximar do Rio de Janeiro, quando inaugurou seu ciclo de matanças, afundando o mercante inglês Charles W. Peale com dois torpedos no casco. Quase um mês depois, a 24 de julho, enfiou mais um par de torpedos em outro cargueiro britânico, o Henzada, de mais de 4 mil toneladas, sem direito a sobreviventes. A temporada de caça prometia quando foi avistado no dia 31 de julho pelo avião de patrulha americano Mariner PBM- 3C na tela do radar. O piloto era o tenente Walter Smith, da marinha dos Estados Unidos, e seu relógio de pulso marcava 7 horas e 14 minutos de uma gloriosa manhã carioca de sol. O U-199 foi visto a olho nu pela tripulação do Mariner alguns minutos depois. “O filho da mãe navegava na superfície, e eu não vacilei”, contou depois o tenente Smith, no bar do Hotel Copacabana, cercado de mulheres perfumadas. “Estávamos em missão de escolta de um comboio de 30 navios, que deixava o Rio. Arremessei o bico do Mariner em direção a ele, que abriu fogo contra nós, mas nosso ângulo era favorável e não fomos atingidos. A menos de cem metros de altura larguei seis bombas Mark 47, que caíram ao lado do alvo, levantando colunas de água e fazendo o U-199 sacudir.”

O avião subiu, deu uma volta e a tripulação viu o submarino intato, despejando fogo de suas metralhadoras e canhões. O Mariner tinha ainda mais duas bombas, deu outra volta e desceu vertiginosamente em direção ao submarino, passou a menos de 20 metros dele e largou as duas bombas que restavam. Novas explosões, novas paredes de água subindo e descendo e o submarino balançando. Desta vez parece que o alvo foi atingido, porque o submarino começou a despejar fumaça e óleo. Então o tenente Wilson avisou a base aérea da presença do inimigo e foi por isso que o major americano apareceu todo agitado na sala dos oficiais do Galeão e avistou o aspirante-aviador Sérgio Schnoor comodamente sentado numa cadeira, olhando numa revista as pernas das coristas do Cassino da Urca e saboreando seu cigarro com uma xícara de café. Sérgio se instalou no assento de controle do Hudson, conferiu com os sargentos Manuel Gomes e João Antônio se o compartimento de bombas estava carregado e começou a ligar os motores quando literalmente se jogou para dentro do avião o capitão Polycarpo, tomando o assento de copiloto. “Não te preocupa, garoto, a festa é tua”, disse o capitão. O aspirante Sérgio escreveria anos depois em seu Diário de Guerra que sentiu um previsível alívio quando viu o capitão Polycarpo entrar no avião, pois ir numa missão desse tipo sozinho sempre é temerário. O coração do jovem Sérgio disputava uma batalha insólita de sentimentos contraditórios. Estava feliz com o voo e a proximidade da aventura, mas também se aproximavam a morte, o medo e o horror. O Rio de Janeiro estava luminoso e pleno de orgulho de suas montanhas, as praias repletas de banhistas, ele viu os guarda-sóis coloridos. Passou pelo Cristo Redentor de braços abertos inspirando a paz cristã que todos aceitavam sem questionar, observou os carros nas avenidas circulando em ordem e tocou o nariz do avião para o Sul, para longe dos edifícios e dos morros, e lá embaixo ficaram apenas o mar esverdeado, os iates, as lanchas e os navios. Parecia uma enseada vasta e feliz. As águas cintilavam de reflexos cristalinos e a cor esmeralda das águas oferecia essas promessas que só aparecem nas manhãs de domingo, pacíficas e suaves. Não parecia real, não podia estar voando aos 22 anos de idade para um ritual de morte, tão perto da sua casa, da sua universidade, dos seus amigos, da casa de dois andares de Maria Beatriz, apesar das batidas sufocadas do coração. E de súbito ali estava ele! Com sua carga de dor e de morte, U-199, nódoa na paisagem. Sérgio sentiu um frio na barriga, algo inevitável quando é a primeira vez. O U-199 lutava com crescentes dificuldades. O Mariner do tenente Smith não tinha mais bombas, mas suas metralhadoras estavam bem municiadas, e ele fustigava o submarino com fogo cerrado, impedindo-o de manobrar. A dificuldade maior do U-199 era submergir. Talvez seu circuito elétrico estivesse danificado. De qualquer modo, o comandante Hans ordenou verificar a profundidade, pois se pudessem chegar ao fundo poderiam fazer os reparos. Às 8h40min em ponto o Hudson de Sérgio lançou duas cargas de profundidade Mark 17 de uma altura de cem metros, mas os artefatos acertaram a água, pelo lado direito do U-199. O Hudson deu uma volta e retornou à carga, com as duas metralhadoras do seu nariz despejando fogo. Viram os artilheiros do submarino serem atingidos e caírem na água quando o sargento João Antônio anunciou: “Acabou a munição”. “Vamos voltar para a base e pegar mais”, disse o capitão Polycarpo, “esse aí não vai muito longe”. E quando davam a volta para o regresso depararam com um Catalina voando em direção a eles, e, pelo jeito, se preparando para também atacar o submarino. Era o Catalina 2, com tripulação toda brasileira, na mesma missão de escoltar o comboio. O piloto era o segundo-tenente Miranda Correa. Estava com ele o especialista em Catalinas, o aspirante-aviador Alberto Torres, e mais dois oficiais que participavam da missão como observadores. Completavam a tripulação cinco sargentos. Eles terminavam a primeira etapa do leque de varredura na rota do comboio, na altura de Cabo Frio, quando uma mensagem no rádio avisou atividade inimiga nas proximidades e em seguida deu as coordenadas. “Só pode ser submarino”, disse Torres. Miranda Correa foi até a mesa de navegação plotar o curso e logo voltou. “Está perto daqui”, disse com um ronco de satisfação. Dirigiu o Catalina para o ponto indicado no mapa e cinco minutos depois se endureceu todo, o dedo no botão de lançamento de bomba. “Olha lá, olha lá”, exclamou pulando de excitação, “ele é enorme, é um monstro, vamos atacar com tudo”. 

Próximo capítulo: a primeira vitória.

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