terça-feira, 3 de abril de 2012

Décimo Segundo Capítulo

Três senhores da guerra


“O exército alemão já foi batido na União Soviética, disso não há mais dúvida, foram escorraçados da periferia de Stalingrado, estão refluindo para a Europa Central e Ocidental”, disse Mascarenhas. “No estágio em Washington percebi, várias vezes, membros do Alto Comando Americano expressarem a urgência da nossa presença como reforço imediato.” Mascarenhas falava como de habitual, pausadamente, olhando nos olhos seus dois interlocutores, os generais Cordeiro de Farias e Zenóbio da Costa. Ambos estavam sentados em poltronas diante dele, fumando. Zenóbio, seu tradicional e enorme havana perfumado, e Cordeiro, um rústico cigarro de palha, um palheiro dos nossos, como disse para Mascarenhas quando lhe ofereceu, sabendo que o outro recusaria. “Os americanos não me disseram, é claro, mas eu sentia isso claramente nas nossas conversas e nas aulas a que assisti. Eu tenho a convicção de que eles precisam desesperadamente de reforços, por menor que seja o contingente, por menos preparado que esteja. Eles precisam recompor o IV Corpo de Exército, que está reduzido à 6ª Divisão Blindada Sul-africana e algumas frações de tropa antiaérea americana, agindo como infantaria, vejam só que precariedade, com o rótulo de Task Force 45, sem qualquer eficiência ou combatividade. Eles precisam de gente para combater.” “Precisam é de carne para canhão”, disse Zenóbio, “e o que eu gostaria de saber é para onde pensam em nos mandar. Meu palpite é a Itália, eles já tomaram Nápoles e se preparam para avançar para o norte da península. A França vai ser invadida a partir da Inglaterra, disso não há dúvida, só resta saber quando será o famoso Dia D e em que parte da costa vai ser a invasão”. “Acho que você está certo, Zenóbio”, disse Mascarenhas, “não é por nada que o Rommel está montando uma linha de defesa impressionante na Normandia”. Cordeiro de Farias, levantou-se da poltrona e se dirigiu para o mapa da Europa preso no cavalete. Era o mais jovem dos três generais, tinha 42 anos, e aparentemente o que tinha mais experiência em ação de combate, fruto de sua participação nas várias revoluções brasileiras das últimas décadas, incluindo a marcha da Coluna Prestes. Esticou a jaqueta com um rápido estirão e apontou o dedo para um lugar no mapa. “A lenda do Afrikan Korps acabou. Os alemães foram batidos na África. O aclamado Rommel está comandando a construção da linha de defesa da Normandia, mas ele agora é um fantasma, uma imagem gasta daquele herói que os alemães idealizavam.” “Exatamente. E é ali que a guerra vai se decidir, na França e na Itália. A invasão da Europa pelos Aliados será por esses países”, disse Zenóbio. “O ataque terá que ser pelo Mediterrâneo e pelo Adriático, com os russos vindos do norte”, continuou Cordeiro, “os aliados vão tentar recuperar a França e a Itália em um intervalo pequeno de tempo. A Alemanha vai ficar encurralada. E nós, general Mascarenhas, nesse jogo de xadrez, onde é que nós entramos, no seu ponto de vista?”. “O Zenóbio disse que nós vamos ser bucha de canhão. É deprimente conjeturar que aliados pensem assim de nós, mas vamos ter que encarar isso como uma possibilidade concreta, sem idealismo tolo, sem ressentimento. Se querem saber, acho que vão nos mandar para onde haja necessidade de boi de piranha.” “Isso não interessa, essa é a guerra que nos coube. Graças a Deus vamos para uma guerra de verdade.” “Tem gente que pensa diferente”, e Cordeiro de Farias estendeu para Mascarenhas um jornal com uma matéria assinalada em vermelho. A manchete anunciava com estardalhaço a queda de Benito Mussolini, no dia 25 de julho de 1943, poucos dias antes do afundamento do U-199 pelos aviões da FAB. Cordeiro indicou com o dedo uma sessão assinada por Adelaide Scoraro. A deslumbrante Adelaide escrevia artigos publicados em vários jornais do país: “Se é verdade, como dizem por aí, que o destino da imaginária expedição do Brasil à guerra será a Itália, então é bom guardar os tamborins e fazer o desfile por aqui mesmo, pois se nossos galantes futuros heróis forem para a Itália será para fazer turismo”. “A quinta-coluna continua ativa e fazendo graça.” “Essa senhora está fazendo piada um tanto atrasada”, disse Mascarenhas. “As coisas se precipitaram, senhores, e eu não tenho clareza, ainda, para dizer onde ficamos no meio dessa poeira toda. Hoje chegou um telegrama dando conta de que um comando alemão libertou Mussolini da prisão e o levou para uma reunião em Berlim com Hitler. Parece um folhetim rocambolesco, mas foi assim. Vamos aguardar, senhores, vamos aguardar. Não podemos dar um passo em falso ou seremos esmagados pela imprensa, pela direita, pela esquerda, pelos americanos e pelos alemães.” “Sabem o que andam dizendo por aí? Sabem por que não embarcamos logo?”, perguntou Zenóbio. “Porque o comandante em chefe é De Moraes, o comandante da Infantaria é Da Costa, e o comandante da Artilharia não é de briga, pois é Cordeiro.” Zenóbio jogou a grande cabeça para trás e deu a gargalhada que fazia a delícia de seus comandados, quando estava de bom humor. “Essa é boa, essa é muito boa, mas a melhor mesmo...” Mascarenhas fez um ruído discreto com a garganta, deu um de seus raros sorrisos, como pedindo desculpas: “Com licença, Zenóbio, mas preciso acrescentar um pequeno detalhe para encerrarmos a reunião, e é justo a respeito dessa demora e dos entraves ao nosso trabalho que enfrentamos no dia a dia. A natureza da nossa missão é extremamente simples: junto com os Aliados, ajudar a derrotar o nazismo. O lado complexo, e delicado, e mesmo antagônico dessa premissa é que, e isso é uma ideia que circula em todas as rodas pensantes do país, é que derrubando o nazismo estaremos também derrubando o governo que nos manda para o teatro de operações. Todos nós sabemos disso. É um dos motivos de tanto entrave para nossa preparação e para nossa partida. Portanto, senhores, seja lá o que cada um de nós pense a respeito desse assunto, e todos somos livres para pensarmos o que bem entendermos, vamos deixar a política de lado, e como muito bem disse o Zenóbio, vamos cuidar só da guerra que nos coube lutar”.

Próximo capítulo: o Dia D está próximo

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