quarta-feira, 30 de maio de 2012

Os canhões de Monte Prano

20. 
O QG de Zenóbio, numa sala do único hotel de Camaiore, estava cheia de oficiais, todos com os olhos brilhantes e grandes sorrisos. Estacionou um jipe diante do hotel. Levava escrito Liliana no para-choque. Abriram passagem para o general Mascarenhas que chegou silencioso como sempre. Apertou mãos, concordou com a cabeça para uma quantidade de frases proferidas ao mesmo tempo, olhou Zenóbio nos olhos e todos silenciaram. “Nenhuma baixa, general”, disse Zenóbio. Os oficiais bateram palmas. “Alguns feridos, 15, ao que parece, nenhum grave. E 23 prisioneiros.” Novas palmas. “Nossos soldados e oficiais estão de parabéns, general Zenóbio, e o senhor de modo especial. Tomar Camaiore dos alemães, nossa primeira missão, foi bem sucedida, graças a Deus, mas isto é só o princípio. Avançamos um passo, agora precisamos avançar outro” disse Mascarenhas. “O Comando Aliado já nos deu a próxima missão: vamos nos mover para cerrar contra a Linha Gótica, que inicia aqui perto, nos contrafortes dos Apeninos. Para avançar, precisamos dominar o Monte Prano e silenciar os canhões que lá estão instalados. Eles têm um posto de observação de artilharia muito competente.” “Esses canhões estão nos dando trabalho, comandante”, disse Zenóbio, “mal terminamos a ponte para Camaiore e ela já foi atingida por cinco projéteis, tiros de canhão disparados do Monte Prano.” “Eles dominam toda a região lá de cima, e os canhões tem longo alcance. Vai ser uma subida dura, general. O senhor precisa estudar esse assunto.” Zenóbio inflou o peito de orgulho. “Já estou pensando nisso, comandante” e bateu uma continência vistosa, como se fosse um cadete recém-formado. Nesse momento uma gritaria chamou a atenção de todos. Aproximaram-se da janela. Centenas de cidadãos de Camaiore tomava a rua fazendo alvoroço, gritando e gesticulando. Três mulheres eram empurradas e espancadas. Tinham as cabeças raspadas, vestiam sacos de estopa e estavam sem sapatos, pisando a rua de pedra. As cabeças raspadas mostravam cortes e sangravam. “São colaboracionistas”, disse o major Brayner, “já impedimos dois linchamentos desde ontem.” “Isso é degradante”, disse Mascarenhas, “vamos impedir esses fatos a todo custo, quero reforço no policiamento. Se alguém tem de ser punido que seja pelos tribunais.” Olharam durante alguns instantes a chegada de PMs que tiveram muita dificuldade para separar as mulheres de seus espancadores. Zenóbio se afastou da janela. Zenóbio tinha dito a Mascarenhas que já estava pensando num plano de ataque, mas na verdade não havia muito em que pensar. O Monte Prano tem 1,2 mil metros de íngremes escarpas rochosas, coberta de vegetação rala, onde ninguém pode se ocultar. A subida é praticamente de peito aberto, e isso é suicídio puro. A única possibilidade é uma manobra envolvente; no fim da manhã essa proposta já estava claro na Ordem do Dia despachada pelo Estado-Maior do Destacamento Zenóbio. “Inicialmente envolver Monte Prano, se possível capturar Monte Prano pelo Oeste; conquistando em seguida a Linha Monte Valimona-Monte Acuto; finalmente, conforme as informações, retificar a linha de frente, na altura de Monte Prano.” Zenóbio reuniu seus oficiais, mostrou o mapa no cavalete: “Vamos envolver o Monte Prano com três batalhões justapostos. Estamos praticamente sem reservas, mas vamos fazer o que esperam de nós, sem lamúrias. O 1º Batalhão faz o desbordamento pelo Oeste, o 3º Batalhão pelo centro, vai subir o Rondinaja, um local medonho, cheio de minas, e o 2º Batalhão vai pela direita, o Segundo vai se lançar sobre as vilas de Fabiano e Austiciana. Iniciamos a manobra amanhã às sete. E vamos nos encontrar todos lá em cima, se Deus quiser.” O Destacamento Zenóbio, que a rigor era todo o 6º RI, começou a manobra envolvente ao Monte Prano no início da manhã do dia 20 de setembro, com um dia mais frio do que o habitual para essa época do outono, e com nuvens cinzas cobrindo os contrafortes da cordilheira. Os milhares de brasileiros avançavam cuidadosamente, cobrindo uma frente de 12 quilômetros. Diante deles, o terreno a palmilhar era áspero, todo em aclive. Passaram por localidades de poucas casas, todas de pedra, onde os moradores temerosos abanavam para os soldados. A subida pouco a pouco ficava mais íngreme. Passaram pelas localidades de Vado e Lombrici. A uma da tarde chegaram em Casoli, casas de pedra construídas ao lado da estrada. Fizeram uma parada para o rancho. “Daqui pra frente não sobe nem jipe”, disse o sargento Nílson, sentando no chão, costas contra uma parede, acendendo um cigarro. Olhou ao redor: a cordilheira agora realmente começava. Onde ele estava, rodeado de seus soldados, podia ver as imensidões se sucedendo em gigantescos contrafortes de pedra. A única estrada era estreita, cheia de curvas, e na beira de um precipício que causava calafrios. “Este lugar é bom para o turismo”, disse Nilson, mas todos estavam muito cansados para conversar. Cada um carregava em torno de 12 quilos, contando armas, munição, cobertor e a ração K. Esta ração era uma caixa embalada em papelão, que continha uma pequena caixa com pasta de carne, um pacote de bolacha, uma latinha com queijo, dois chocolates, uma caixa de chicletes, uma caixa de fósforos e três cigarros, palitos, balas, band-aid e papel higiênico. Todos começaram a abrir suas rações K, todos mastigavam olhando as montanhas se desdobrando interminavelmente. “Quanto tempo vamos levar até lá em cima, sargento?”, perguntou Quevedo, sentado a seu lado. “Pelo que ouvi falar só chegamos lá em cima depois de vinte horas de marcha”. “Então, só amanhã”. “Só amanhã. Por quê? Tá com pressa?”. “Pressa não digo, mas tô curioso pra ver os tais canhões”. Nesse instante ouviram o som dos canhões disparando para os alvos lá embaixo na planície. O ruído era assustador e todos se olharam. Sorriram, escondendo os sentimentos, mas pálidos. “Onde vamos dormir, sargento?”, perguntou Pedrinho. “Tem um hotel de luxo especialmente para ti, logo ali.” Todos deram risada. Os canhões tornaram a atirar. O som de morte se espalhou sobre os soldados sentados ao longo da estrada à beira do abismo. “Calma que eu tô chegando!”, gritou Quevedo. Deram novas risadas. O capitão Ernani passou por eles, parou um pouco, contemplou a imensidão. Falou olhando para Nilson. “Sargento, vamos recomeçar a marcha.” O sargento se pôs de pé, os soldados foram todos ficando em pé, e em pouco a enorme fila estava a subir a estrada cheia de curvas, onde começava a açoitar o vento frio.

Um comentário:

  1. Ola...
    Amigo sou moderador do site Ecos da Segunda Guerra, Sera que eu poderia usar seus artigos eu meu site citando sua fonte?

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