quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Frente a Frente com Getulio

43.


Quando o avião pousou no aeroporto de Nápoles, logo após a porta abrir e sentir o impacto do vento gelado no rosto, Brayner viu, ao pé da escada, o general Mascarenhas de Moraes. Fizeram continência, trocaram um discreto abraço e rumaram para o bar do aeroporto, onde se instalaram numa mesa a um canto. Pediram café. Brayner não notou o menor sinal de ansiedade no rosto taciturno do general comandante, a não ser o sorriso quase imperceptível que ele usava para acompanhar suas conversas nos momentos de crise. “Então, como ficaram as coisa por lá, a nosso respeito?”  “Em absoluta tranquilidade. O presidente manda lhe dizer que confia inteiramente na sua ação de comando e que não cogita nem admite sua substituição.”  E então Brayner viu o rosto do comandante expressar um alívio do mesmo modo imperceptível como o sorriso, fenômeno que sempre o deixava espantado. “Conte-me tudo.” Com pormenores tais como clima e cores da cidade distante, o coronel contou suas andanças no Rio de Janeiro, a tensa entrevista com o Ministro da Guerra, a visita a família dele, Mascarenhas, e a longa audiência com o ditador Getúlio Vargas, a quem ambos chamavam de presidente por pudor profissional. “Expliquei ao presidente com minúcias nossos passos aqui na Itália, general, não omiti nada. Ele foi direto; perguntou qual a restrição que os oficiais faziam ao senhor. Se era incapaz? Frouxo? Mau para os comandados? Respondi que até esta data a FEB não cedeu um só passo de terreno conquistado. Disse para ele: por caso recuamos para trás das extensas linhas que nos foram confiadas? Nunca. Deixamos, por acaso, alguma tropa americana exposta ao perigo, em virtude de recuo? Nunca. Houve alguma queixa dos comandos da 92ª. Americana ou da 6ª. Divisão Blindada Sul-Africana ou mesmo da Task Force 45 por termos deixado de cumprir preceitos de ligação ou solidariedade em combate? Nunca. Não conseguimos ainda tomar o Monte Castelo, e há boas razoes para isso, que não são compreendidas pelo general Crittenberg, comandante do IV Corpo, homem impaciente e até mesmo preconceituoso com os latinos. Mas não perdemos a consciência de nossos objetivos e acredito que –e eu disse com autêntica convicção-  se nos derem as condições que manifestamos diversas vezes, tomaremos a maldita montanha.” “Deus te ouça, Brayner. Assim vou para Lucca com mais tranquilidade.” “O que há em Lucca, general?” “Reunião com o Comando Aliado. Vamos discutir novo plano de ataque ao Monte Castelo.”  Brayner suspirou. “Na sua ausência estive algumas vezes com Mark Clark. Ele nos compreende bem melhor do que o Crittenberg. Ele não disse claramente, mas deu a entender, que a Task Force fracassou em suas tarefas e nos arrastou com ela. Me apresentou ao general George Hayes, comandante da 10º. Divisão de Montanhas. Conversei muito com esse general. Contei a ele pormenorizadamente todos os ataques. Contei tudo. Ele ouviu e entendeu. Ele me disse: a 10º.  é uma tropa recrutada e adestrada na região das Montanhas Rochosas. Temos um imenso respeito pelas montanhas. Compreendo as dificuldades que os senhores estão encontrando. Olha, Brayner, acho que vamos ter um parceiro a altura. Tenho fé de que agora vamos subir até o topo e ninguém nos segura.” E assim, naquele final de inverno em Lucca, o Comando do IV Exército e o Estado Maior da FEB traçaram um longo e minucioso plano de ataque ao Monte Castelo. O general Crittenberg teve o privilegio de escolher o nome da operação, e sua ironia foi certeira. “Encore” disse ele. “Como os senhores devem saber, encore em francês quer dizer ainda ou mais uma vez. Me parece um nome apropriado.” Nem todos apreciaram o humor do general, mas o nome foi oficializado e centenas de oficiais brasileiros e americanos durante dias e noites elaboraram cada detalhe da operação Encore. Uma das premissas era verificar a ordem de batalha do inimigo, e para isso foram intensificadas as patrulhas buscando contato e aprisionamento de alemães. “Brayner” disse Mascarenhas na madrugada de 19 de fevereiro, aquecendo as mãos próximo a um fogão a lenha “seria negar a evidência dos fatos não reconhecer nossa preocupação com o moral da tropa, particularmente o 1º. Regimento de Infantaria, o que mais sofreu com o clima de maldição que se criou com a montanha, mas eu acredito nos comandantes dos três batalhões. São homens corajosos.” “Sem dúvida, general. Falei longamente com o coronel Caiado de Castro e com os majores Uzeda e Franklin. Estão confiantes, seguros, e loucos para ir a forra.” “Muito bem, mas não vamos perder a cabeça. Não se trata de uma vendeta, mas de uma operação militar.” “Pedi um relatório sobre o estado da tropa e recebi um muito otimista, general. Estamos prontos.” Na noite de 19 de fevereiro, exatamente as 20 horas, uma patrulha comandada pelo sargento Nilson, em ação silenciosa, ocupou uma casa de pedra assobradada, bem diante do Monte Castelo. Um pouco antes já tinham sido ocupadas outras duas casas, todas próximas ao monte, sem que os alemães se apercebessem. As três casas dominavam todo o vale do Silla. Dali se tinha um amplo visual sobre a zona de ataque. Com extrema cautela foram transportadas para as casas e montadas pelos especialistas ligações telefônicas e de radio. As 20:30 hs o general Mascarenhas de Moraes, o coronel Brayner e seu Estado Maior e os oficiais adjuntos se esgueiraram através da escuridão e entraram na casa assobradada. Ali funcionaria o Posto de Comando da FEB. As outras duas casas ocupadas serviriam de Postos de Observação. Nessas casas seria centralizada toda a rede de informações, sob o comando do tenente coronel Amaury Kruel. O oficial de ligação designado junto a 10º. Divisão de Montanha foi o major Alcyr de Ávila Melo. Tudo estava pronto. Na base de partida do ataque o general Zenóbio deu o sinal para o inicio da missão. Os comandantes de batalhão, Caiado, Uzeda e Franklin acionaram seus capitães. Os tenentes e os sargentos foram passando a ordem de avançar. Pedro Diax, com a perna remendada, o gago Atilio, o alemão Wogler, o cabo Quevedo, o negro Bandeira e aquela multidão silenciosa de soldados começaram a subir a montanha maldita, mais uma vez.

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