43.
Quando o avião pousou no
aeroporto de Nápoles, logo após a porta abrir e sentir o impacto do vento
gelado no rosto, Brayner viu, ao pé da escada, o general Mascarenhas de Moraes.
Fizeram continência, trocaram um discreto abraço e rumaram para o bar do
aeroporto, onde se instalaram numa mesa a um canto. Pediram café. Brayner não
notou o menor sinal de ansiedade no rosto taciturno do general comandante, a
não ser o sorriso quase imperceptível que ele usava para acompanhar suas
conversas nos momentos de crise. “Então, como ficaram as coisa por lá, a nosso
respeito?” “Em absoluta tranquilidade. O
presidente manda lhe dizer que confia inteiramente na sua ação de comando e que
não cogita nem admite sua substituição.”
E então Brayner viu o rosto do comandante expressar um alívio do mesmo
modo imperceptível como o sorriso, fenômeno que sempre o deixava espantado.
“Conte-me tudo.” Com pormenores tais como clima e cores da cidade distante, o
coronel contou suas andanças no Rio de Janeiro, a tensa entrevista com o
Ministro da Guerra, a visita a família dele, Mascarenhas, e a longa audiência
com o ditador Getúlio Vargas, a quem ambos chamavam de presidente por pudor
profissional. “Expliquei ao presidente com minúcias nossos passos aqui na Itália,
general, não omiti nada. Ele foi direto; perguntou qual a restrição que os
oficiais faziam ao senhor. Se era incapaz? Frouxo? Mau para os comandados? Respondi
que até esta data a FEB não cedeu um só passo de terreno conquistado. Disse
para ele: por caso recuamos para trás das extensas linhas que nos foram
confiadas? Nunca. Deixamos, por acaso, alguma tropa americana exposta ao
perigo, em virtude de recuo? Nunca. Houve alguma queixa dos comandos da 92ª.
Americana ou da 6ª. Divisão Blindada Sul-Africana ou mesmo da Task Force 45 por
termos deixado de cumprir preceitos de ligação ou solidariedade em combate?
Nunca. Não conseguimos ainda tomar o Monte Castelo, e há boas razoes para isso,
que não são compreendidas pelo general Crittenberg, comandante do IV Corpo, homem
impaciente e até mesmo preconceituoso com os latinos. Mas não perdemos a
consciência de nossos objetivos e acredito que –e eu disse com autêntica
convicção- se nos derem as condições que
manifestamos diversas vezes, tomaremos a maldita montanha.” “Deus te ouça,
Brayner. Assim vou para Lucca com mais tranquilidade.” “O que há em Lucca,
general?” “Reunião com o Comando Aliado. Vamos discutir novo plano de ataque ao
Monte Castelo.” Brayner suspirou. “Na
sua ausência estive algumas vezes com Mark Clark. Ele nos compreende bem melhor
do que o Crittenberg. Ele não disse claramente, mas deu a entender, que a Task
Force fracassou em suas tarefas e nos arrastou com ela. Me apresentou ao
general George Hayes, comandante da 10º. Divisão de Montanhas. Conversei muito
com esse general. Contei a ele pormenorizadamente todos os ataques. Contei
tudo. Ele ouviu e entendeu. Ele me disse: a 10º. é uma tropa recrutada e adestrada na região
das Montanhas Rochosas. Temos um imenso respeito pelas montanhas. Compreendo as
dificuldades que os senhores estão encontrando. Olha, Brayner, acho que vamos
ter um parceiro a altura. Tenho fé de que agora vamos subir até o topo e
ninguém nos segura.” E assim, naquele final de inverno em Lucca, o Comando do
IV Exército e o Estado Maior da FEB traçaram um longo e minucioso plano de
ataque ao Monte Castelo. O general Crittenberg teve o privilegio de escolher o
nome da operação, e sua ironia foi certeira. “Encore” disse ele. “Como os
senhores devem saber, encore em francês
quer dizer ainda ou mais uma vez. Me parece um nome
apropriado.” Nem todos apreciaram o humor do general, mas o nome foi
oficializado e centenas de oficiais brasileiros e americanos durante dias e
noites elaboraram cada detalhe da operação Encore. Uma das premissas era
verificar a ordem de batalha do inimigo, e para isso foram intensificadas as
patrulhas buscando contato e aprisionamento de alemães. “Brayner” disse
Mascarenhas na madrugada de 19 de fevereiro, aquecendo as mãos próximo a um fogão
a lenha “seria negar a evidência dos fatos não reconhecer nossa preocupação com
o moral da tropa, particularmente o 1º. Regimento de Infantaria, o que mais
sofreu com o clima de maldição que se criou com a montanha, mas eu acredito nos
comandantes dos três batalhões. São homens corajosos.” “Sem dúvida, general.
Falei longamente com o coronel Caiado de Castro e com os majores Uzeda e
Franklin. Estão confiantes, seguros, e loucos para ir a forra.” “Muito bem, mas
não vamos perder a cabeça. Não se trata de uma vendeta, mas de uma operação militar.”
“Pedi um relatório sobre o estado da tropa e recebi um muito otimista, general.
Estamos prontos.” Na noite de 19 de fevereiro, exatamente as 20 horas, uma
patrulha comandada pelo sargento Nilson, em ação silenciosa, ocupou uma casa de
pedra assobradada, bem diante do Monte Castelo. Um pouco antes já tinham sido
ocupadas outras duas casas, todas próximas ao monte, sem que os alemães se
apercebessem. As três casas dominavam todo o vale do Silla. Dali se tinha um amplo
visual sobre a zona de ataque. Com extrema cautela foram transportadas para as
casas e montadas pelos especialistas ligações telefônicas e de radio. As 20:30
hs o general Mascarenhas de Moraes, o coronel Brayner e seu Estado Maior e os
oficiais adjuntos se esgueiraram através da escuridão e entraram na casa
assobradada. Ali funcionaria o Posto de Comando da FEB. As outras duas casas
ocupadas serviriam de Postos de Observação. Nessas casas seria centralizada
toda a rede de informações, sob o comando do tenente coronel Amaury Kruel. O
oficial de ligação designado junto a 10º. Divisão de Montanha foi o major Alcyr
de Ávila Melo. Tudo estava pronto. Na base de partida do ataque o general Zenóbio
deu o sinal para o inicio da missão. Os comandantes de batalhão, Caiado, Uzeda
e Franklin acionaram seus capitães. Os tenentes e os sargentos foram passando a
ordem de avançar. Pedro Diax, com a perna remendada, o
gago Atilio, o alemão Wogler, o cabo Quevedo, o negro Bandeira e aquela
multidão silenciosa de soldados começaram a subir a montanha maldita, mais uma
vez.
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