48.
O comando do
pelotão da vanguarda do ataque principal coube ao tenente Iporan. Todos o achavam
um pouco verde para aquilo. Ele olhava de binóculo as casas de pedra. Os homens
olhavam para ele. Conheciam o Iporan. Todos eram velhos conhecidos do Sampaio.
Todos pensando que aquela era, como andavam dizendo, a última batalha da
guerra. Talvez não fosse, mas ninguém ia
achar engraçado morrer logo quando a guerra chegava ao fim. O sargento Max,
ninguém menos do que o sargento Max, estava atirado no chão a 200 metros dali,
cheio de balas, e ninguém podia fazer nada. O sargento Mathias olhou para as casas de
pedra. “Se avançarmos muito vamos levar tiros pelas costas, tenente.” “Vamos
avançar até a crista da elevação e lá avaliamos. Andando!” Avançaram abaixados
até o ponto mais alto. De lá puderam examinar a cidade onde agora o sol batia
em cheio. E então brilhou sobre eles um foguete de sinalização, que se
desmanchou em estrelas vermelhas, como fogo de artifício. “Já sabem onde
estamos” disse Iporan. E imediatamente desabou sobre o pelotão uma compacta
barragem de artilharia. “Vamos sair daqui, pra frente, pra frente!” Correram
desesperadamente no meio das explosões, jogando-se ao chão, levantando,
prosseguindo. Iporan viu o garoto da saúde receber uma bala na testa, viu o
negrão especialista em minas ser partido em dois por obus que o atingiu em
cheio. Iporan se jogou dentro de uma vala, bateu com o rosto no chão, ficou com
a boca cheia de terra. Depois de tomar fôlego e cuspir terra, com toda calma, chamou
os sargentos Celso, Rubens e Mathias. “Celso, pega teu Grupo de Combate e vai
pela direita. Rubens, você vai pela esquerda. Mathias, você vai pelo centro.
Quando eu mandar.” Os três sargentos se entreolharam. O tenentezinho quer
cantar de galo. “Celso, você vai primeiro. Agora!” O sargento Celso Racioppi olhou para seu Grupo de Combate e falou, ríspido: “Comigo,
macacada, avançando!” e disparou no rumo das casas, jogando-se nas estrias do
terreno, espiando, avaliando e tornando a correr. Súbito, o sargento estaca.
Fica imóvel. “Minas. Nossa Senhora. Estamos no meio de um campo minado.” O tenente Iporan se aproximou
rastejando. “Minas, tenente.” Iporan olhou o artefato. “Não é mina. É
booby-trap. Eu sei desmontar essas bostas.” Todos ficaram de olho arregalado
vendo o tenente mexer com seus dedos longos e aristocráticos aquelas pequenas
caixinhas diabólicas. O tenente desmontava uma e dizia “pronto!” e seguia em
frente e desmontava outra. Depois de meia hora não tinha mais booby-trap ativo.
“Vamos continuar. Quero o Grupo de Combate do Mathias aqui com a gente. Vamos
avançar juntos.” Rastejaram cada vez mais próximos das primeiras casas. Viam
nitidamente suas paredes velhas e ásperas. “Quero o Grupo de Combate do Rubens
avançando. Vamos nos preparar para invadir.” “Tenente.” “Sim.” “Estamos sem
telefone. Os fios foram cortados com as explosões.” “Vamos usar o rádio.”
“Estamos sem rádio também, tenente. Deixou de captar. Estamos muito longe, e o
terreno é...” “Vamos invadir com ou sem rádio.” Os três sargentos se
entreolharam. “Sim, senhor.” Esse tenentezinho estava saindo melhor do que a
encomenda. “Vamos mandar um mensageiro avisando que vamos entrar na cidade. Que
suspendam o bombardeio porque vamos entrar. Praça Melo.” O praça Melo era um
negrinho só osso e nervo. Tocava pandeiro no bloco de carnaval do batalhão.
“Sim, senhor.” “Vai até o comando da Companhia e avisa que vamos invadir, que
suspendam o bombardeio. Dá um jeito de chegar até lá, Melo, pelamordedeus.” “Pode
deixar, tenente.” O praça Melo saiu que era uma ventania, rastejando como um
lagarto. Viram-no sumir numa dobra de
terreno. “Agora, vamos.” E os três Grupos de Combate começaram a aproximação da
fortaleza alemã, com o tenente Iporan na frente. Mal deram os primeiros passos
começou o fogo alemão. Jogaram granadas para o lugar de onde vinham os tiros e
foram avançando. Iporan olhava e via que o avanço era firme, mas que alguns
caíam feridos. De um buraco de metralhadora saiu o primeiro alemão e foi varrido,
depois outro e outro. Agora tinham ultrapassado os primeiros baluartes da
defesa, já caminhavam numa rua de pedra, rente ás paredes. Das janelas
atiradores derrubavam mais soldados. Iporan tinha o olhar transtornado.
“Quantas baixas?” “Calculo umas trinta.” Davam pontapé nas portas, entravam em
salas vazias, irromperam numa cozinha onde enorme fogão a lenha imperava. O
cabo Scliar se aproximou gritando: “Consegui contato, tenente, estou com o
capitão Sidney.” “Alô, capitão, é o tenente Iporan. Introduzimos uma cunha na
defesa deles, estou em Montese com três Grupos de Combate, mas a situação é
crítica. Precisamos de reforço imediato para manter a posição.” “Muito bem,
tenente, parabéns e aguenta firme mais um pouco, estou mandando para aí um
pelotão de fuzileiros.” Os Grupos de Combate dos três sargentos se espalharam
pelas ruas da cidade e foram tomando casa por casa. De várias delas saíam
soldados alemães com as mãos para cima. Já não acreditavam mais numa
resistência eficaz. Pouco depois os fuzileiros também entraram na cidade
protegidos por tanques. A tarde já estava pela metade. Os poucos moradores que
restavam apareciam e gritavam “liberatori, liberatori!” Uma mulher trouxe um
garrafão de vinho para o tenente Iporan, que timidamente recusou. Afinal, estavam
ainda em combate. Mas o sargento Mathias tomou o garrafão das mãos da mulher e
levou-o a boca, bebendo com sofreguidão. O tenente Iporan fez que não viu e se
afastou. Chegou na rua. Os fuzileiros marchavam dos dois lados, colados ás
paredes, vigiando cada porta e janela. O tenente Iporan caminhou pelas ruas da
cidade que conquistara. Os bombardeios, dos aliados e dos alemães, tinham
destruído a cidade completamente. Não havia uma casa intata. A imponente torre
desmoronou. Uma fumaça negra envolvia tudo. Havia gritos e correrias. O gago
Atílio, Pedrinho e o alemão Wogler se apertavam contra a parede de uma capela
com mais de 600 anos. “Estou com cãibra” gemeu o alemão. Caiu sentado, Pedrinho
agarrou seu pé e começou a empurrar para trás. João Wogler gritava de dor,
quando o gago Atílio gritou: “O-o-o-lhem lá.” Não tiveram dúvidas. Era Quevedo.
Estava dobrado em dois, havia escombros ao seu redor, e no peito crescia uma
grossa, escura, lenta mancha de sangue. O gago Atílio se ajoelhou ao lado dele
e ficou ali parado, com medo de o tocar. Pedro Diax se aproximou. O alemão
Wogler se arrastou até ele. Montese estava tomada, mas o cabo Quevedo estava
morto.
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