O major Franklin
olha o relógio de pulso. 1h:30min e nada da cobertura da artilharia. Arranca o
telefone do sargento das comunicações e brada enfurecido: “General Zenóbio, e a
cobertura da artilharia? Isto aqui vai ficar insustentável. Estamos flanqueados
e no meio do fogo!” “Aguenta um pouco mais, major. Os americanos informaram que
tomaram Mazzancana. Já, já vamos nos colocar lá para proteger seu flanco.”
“Mazzancana, general? Mas é de lá de Mazzancana que estou recebendo bala sem
parar. Os americanos não tomaram Mazzancana coisa nenhuma.” “Vou checar isso,
major. Enquanto isso, sustente a posição e procure avançar o mais que puder na
direção de Mazzancana.” “Sim, senhor.” E o major Franklin olhou para Mazzancana
com ódio. Mazzancana: aquelas altas casas de pedra, duras como fortalezas, de
onde descia sobre seu batalhão uma torrente de fogo e de projéteis explosivos.
“Alô, major Franklin, é o Zenóbio. Os americanos me confirmaram, tomaram
Mazzancana sim.” “Positivo, general.” “ Leve seu batalhão para lá.” “Sim,
senhor, general.” O major Franklin olha para o capitão Otávio. Dois olhares
perplexos se encontram. “O Zenóbio diz que os americanos tomaram Mazzancana.
Diz que isso foi confirmado. Vamos para lá.” “Tomaram? Tomaram uma ova.” “O
Zenóbio confirmou.” “Com todo o respeito, ele não está aqui.” “Os americanos
confirmaram.” “Então porque continuam a atirar contra a gente? Será fogo amigo?
Com todo o respeito, major, não podemos dar um passo fora deste barranco, vão
nos varrer. Se os americanos tomaram Mazzancana por que não param de atirar de
lá?” “Isso eu não sei. Vamos nos mover, capitão, essa é a ordem do general.”
“Sim, senhor. Sargento Gutierrez, vamos em frente, abaixados, vamos sair deste
buraco e avançar.” “Avançar, capitão?” “Ficou surdo, sargento?” “Não senhor.” O
sargento Gutierrez pensou minha pressão vai subir e explodir meu cérebro dentro
do capacete, mas ordens são ordens e não vou dar parte de cagão. Não tô surdo
mas vou acabar ficando com tanto rojão rebentando nos meus ouvidos. Olhou para os
homens amontoados no chão uns sobre os outros, pálidos, molhados, e disse,
procurando um tom de voz que motivasse: “Agora vocês vão conhecer a força do
carvão de pedra.” O sargento Gutierrez era de Joaçaba mas foi criado em Criciúma
e tinha trabalhado nas minas quando era adolescente. “Vamos macacada que aqui
não tem mais nada.” Saltou para fora do buraco e começou a correr abaixado,
sentindo que os homens vinham atrás dele quando as balas começaram a pipocar ao
redor levantando postas de barro e pedaços de pedra e viu cair o negrinho
Peralta segurando a barriga, e logo viu o galego João Maria cair segurando a
perna direita e logo viu o cabo Jeovânio cair segurando o braço e rastejar
buscando seu fuzil e o sargento Gutierrez entrou em desespero: “Major, major,
assim não vai dar, vem bala de tudo que é lado e estamos sem proteção nenhuma.”
“Voltem para o barranco, voltem para o barranco!” gritou o major Franklin no momento
em que Mascarenhas apertava a mão do ministro Salgado Filho, observado pelo
general Crittenberg. “Que honra para nós, ministro.” O general Mascarenhas,
Crittenberg e Salgado Filho foram para um canto, onde estava uma mesa servida
com café e sanduíches. “Ofereço um humilde lanche para as ilustres visitas.”
Salgado Filho aceitou o café com evidente prazer, mas Crittenberg parecia desconfortável. Foi direto ao ponto. “Quais são as
novidades, general?” O major Vernon Walters se aproximou para fazer a tradução
da conversa. “Está sendo um dia duro, general. As primeiras iniciativas não
saíram bem como esperávamos. O sigilo do ataque foi quebrado.” “O sigilo foi
quebrado? Por que o senhor afirma isso?” “Porque estamos recebendo fogo antes
mesmo de iniciarmos a subida. Vossa artilharia se precipitou e abriu fogo bem
antes do combinado, chamando a atenção do inimigo para nossa movimentação.”
“Discordo, general, Mascarenhas. Os tiros de nossa artilharia foram fogos de
inquietação. Não prenunciavam um ataque.” “Então algo mais grave aconteceu,
porque é evidente que os alemães começaram a disparar sobre nós com pleno
conhecimento de que era um ataque em massa. O fogo deles não deixa dúvidas.” Os
dois homens ficaram se olhando num silêncio incômodo. “Algo mais grave? O que
por exemplo?” “É exatamente isso que me inquieta, general.” “Onde está o
general Zenóbio?” “Em seu posto de combate.” O general Zenóbio ouvia cada vez
mais lívido as palavras do major Franklin ao telefone. “Meus homens estão
morrendo ás chusmas, general, na minha frente vi pelo menos vinte tombarem,
estamos num maldito corredor, com fogo dos dois lados e de frente, e não temos
cobertura. Onde está a maldita artilharia, onde está a maldita aviação?”
“Controle os nervos, Franklin, comece a retirar seus homens.” O general Zenóbio
chamou o tenente-coronel Castelo Branco. “Coronel, o que me diz da aviação? Ela
vem ou não vem?” O Castelo Branco falou nervosamente ao telefone, durante
minutos que pareciam não acabar, sob o olhar duro de Zenóbio. Castelo Branco
largou o telefone. “Desligaram os motores. Eles não tem condições de decolar.”
“Coronel, não vou deixar meus homens serem massacrados. Avise o comando que
ordenei a retirada.” Castelo Branco telefonou para Mascarenhas, que atendeu
sobre o crivo dos olhares de Salgado Filho e Crittenberg. Sacudiu a cabeça, bem
devagar, e com uma tristeza de animal abatido. “Zenóbio ordenou a retirada.”
Crittenberg pareceu se contorcer dentro do uniforme. “Quem ordenou a retirada?”
disse com voz abafada, no exato momento em que o capitão Bueno lá em Abetaia
percebia que estava completamente imóvel,
percebia que os flocos gelados caíam no seu rosto, provocando leves cócegas,
que lhe davam vontade de rir, percebia
que havia algo muito estranho ao redor dele, e custou a descobrir que era o
silêncio. As explosões tinham cessado, os tiros de metralhadora tinham cessado
e os gritos em língua estranha tinham cessado. Estava completamente imóvel,
caía no seu rosto essa pequena coisa gelada que lhe dava cócegas e o mundo
estava mergulhado num silêncio assustador.
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