Zenóbio estava
imponente diante da mesinha de madeira: “Após as vitórias de Camaiore e Monte
Prano, avançamos em perseguição aos focos nazistas no Vale do Serchio, e
tomamos Fornachi, Barga, Gallicano, Monte São Quirico e Lama di Sopra,
combatendo e vencendo o inimigo.” Os jornalistas tomavam notas, a chuva pingava
no teto de lona da barraca. “Em Barga, tivemos a honra de receber a visita do
senhor ministro da Guerra, general Eurico Dutra, que oficializou o emblema da
Força Expedicionária Brasileira para esta campanha, a cobra fumando.” Deu um
tapa no braço, mostrando a faixa onde estava bordada a cobra fumando. “Como os
senhores sabem, o Brasil só viria para a guerra no dia que cobra fumasse. Bom
senhores, a cobra fumou e continua fumando. Neste exato momento, o 6º-RI avança
em direção a Castelnuovo di Grafagnana, um reduto nazista importante. É uma
fortaleza fincada num terreno íngreme e escorregadio, que com esta chuva com
certeza estará muito pior.” A 2ª- Companhia do 6º- RI de fato se arrastava por
terreno íngreme e escorregadio sob o comando do capitão Aldenor, a chuva caindo
sem parar em suas costas. O sargento Nilson conhecia o capitão Aldenor de
vista, lá de Floripa. Ele tinha casado com uma moça da família Cardoso, família
amiga da sua. O sargento Nilson recostou-se numa rocha e olhou ao redor. Na
paisagem cinza os homens se moviam quase imperceptivelmente, num silêncio
temeroso: os alemães não estavam longe, e mais uma vez guardavam uma posição
favorável. Lá de cima, naquele castelo medieval, atrás daquelas paredes de
pedra com centenas de anos, era fácil defender a posição. A 2ª- Companhia tinha
começado a marcha de manhã bem cedo, e tinham envolvido a vila La Rochette sem
grandes problemas. Perto do meio-dia se aproximaram deste lugar, Lama di Sotto,
e foram recebidos com forte canhoneio. Aí travou-se um combate feroz com troca
de tiros ininterrupta durante duas horas, até que o Grupo de Combate do
sargento Nilson conseguiu deslizar por um buraco no muro. Pedrinho, o gago
Atílio, Quevedo e Alemão rastejaram num pátio de pedras, cheio de tonéis
gigantescos, e deram de cara com um alemão urinando na parede. Uma rajada de
metralhadora e ele se dobrou e caiu de braços abertos. “Ultima mijada, alemão”
murmurou Quevedo. Outro alemão apareceu no pátio e foi recebido a bala. Sumiu
atrás dos tonéis. Pedrinho correu atrás dele, dez segundos depois voltou
correndo. “São mais de trinta!” Dois alemães apareceram mas foram varridos por
disparos simultâneos das cinco metralhadoras. O sargento Nilson subiu numa
escada de pedra num ângulo do pátio e desferiu várias rajadas. Viu que os
alemães aparentemente entraram em pânico, pois desataram a correr. “Estão
fugindo!” gritou para seus homens. Pelo buraco no muro apareceram mais pracinhas
que foram buscando posição atrás dos tonéis. Pouco depois apareceu o próprio
capitão Aldenor com uma bazuca. A arma foi acionada e um potente tiro derrubou
uma porta de madeira no outro lado do pátio. Pouco depois outro grupo de
brasileiros entrou correndo pelo portão estilhaçado. Os tiros foram cessando e
em breve o silêncio desceu sobre o antigo castelo. Apenas a chuva caía sem
parar. Todos buscaram abrigo sob as marquises. O capitão Aldenor fez um sinal
para o sargento Nilson se aproximar. “Nosso objetivo é Castelnuovo de
Garfagnana. Vamos tomar um pouco de fôlego aqui e depois vamos prosseguir. Pelo
mapa estamos a dois quilômetros do lugar.” “Com essa chuva vai parecer dez”
disse Nilson. Meia hora depois retomaram a marcha, escorregando na lama. Pedrinho
feriu a mão numa pedra ao escorregar. Quando tentava colar um band-aid no corte viu os capacetes de
vários alemães mal ocultos pela vegetação rala. A uns 300 metros de onde
estava. “Eles estão perto” avisou ao sargento. “Epa, o que é isso?” “Parece que
eles estão vindo, sargento.” “É isso mesmo, estão vindo pra cima da gente!”
Naqueles trinta dias de guerra como soldado de infantaria o sargento
Nilson ainda não tinha a experiência de
ser atacado por outro grupo de infantaria. Nenhum deles tinha. E era isso que
estava acontecendo. Puxou o praça que manejava o rádio. “Avise o comando que
estamos sofrendo um contra-ataque.” Olhou para a frente diante dele e entendeu
que os alemães eram centenas e avançavam com cautela, mas avançavam. Olhando
melhor, não eram centenas, eram milhares. Para a esquerda e para a direita, até
onde seu olho alcançava, o sargento Nilson via os capacetes cinzentos reluzindo
á chuva que caía. “Diga que é uma Divisão inteira e que vamos ser cercados.”
“C-c-cer-cados?” “Diga que precisamos de uma barragem de artilharia com
urgência para impedir o avanço deles.” O capitão Aldenor se aproximou. “Estou
pedindo uma barragem de artilharia, capitão.” “Eu já pedi. A 3º- Companhia está
sendo envolvida. Falei com o capitão Ramagem. Eles não têm mais munição e os
alemães já estão em cima deles.” “E estão em cima de nós também, capitão.” “Nós
vamos aguentar o tranco, sargento. Todo mundo de granada na mão. E dê a ordem
de calar baionetas.” Calar baionetas é uma ordem que dá calafrio em qualquer
um. O sargento deu a ordem e viu Pedrinho calçando a baioneta na ponta do
rifle, e viu o gago Atílio, e Quevedo e todos os outros soldadinhos estirados
no chão molhado, com a interminável chuva escura caindo sobre eles como uma maldição,
e sentiu seu coração contra a lama fria batendo, batendo, e viu que os alemães
estavam a menos de 20 metros e eram na proporção de cinco para um e o sargento
Nilson pensou friamente vou morrer. Vou morrer aqui neste lugar desgraçado
enquanto lá em Floripa deve estar um dia sol e ao meio dia é bom ficar olhando
a Lagoa da Conceição sorvendo um caldo de cana. O praça estendeu o rádio para o
capitão Aldenor. “É o capitão Ramagem, senhor.” “Alô, Aldenor, estamos
totalmente cercados. Agora eu sei, não é uma Divisão, nem duas. São três
Divisões vindo pra cima da gente.” “Eu pedi a ação da artilharia, mas nada.”
“Aldenor, estou sem munição, vamos entrar num corpo-a-corpo em alguns minutos.”
“Nós também, Ramagem. Estamos sem saída e esses filhos da mãe não acionam a
artilharia.” “Não estou entendendo, passei a manhã toda pedindo munição e
nada.” “Vou aguentar o quanto puder.” “Eu também, Aldenor, mas sabe do que eu
tenho medo? É que matem todos os meus rapazes, Aldenor.”
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