quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Terceiro Ataque ao Monte Castelo

30.

Antes de começar a reunião com o Estado-Maior o general Mascarenhas de Moraes se recolheu por instantes à cozinha da casa mais próxima, que estava abandonada, como todas as outras do vilarejo na subida da montanha. Ali era onde costumava se reunir com dois ou três oficiais de confiança e discutir os planejamentos das ações.  No momento, tudo o que queria era estar alguns momentos a sós. Ainda repercutiam em seus ouvidos as palavras ásperas de Crittenberger, meia hora atrás, traduzidas pelo oficial de ligação, o major Vernon Walters: “Esta é nossa última chance antes do inverno” disse Crittenberger, “ de cruzarmos os Apeninos.  A sua divisão terá mais uma oportunidade para redimir-se dos insucessos dos dias 24 e 25, general Moraes.” O diálogo entre os dois foi numa sala aquecida com lareira, no Hotel Continental em Porreta Terme, quartel general da FEB. “Redimir-se? O senhor me desculpe, mas nesses termos não posso aceitar a crítica. O insucesso não foi só da minha divisão, como o senhor diz, general Crittenberger.” “Não?” “Não, senhor. Foi do conjunto da operação. Ela não funcionou como um todo.” “Como não funcionou? Pode me explicar isso?” “O apoio da Divisão Blindada, a sua Divisão Blindada, general, não aconteceu. E a aviação, onde andava?  Ficamos isolados, general, e diante de um inimigo fortificado.” “Pois desta vez o planejamento é seu. Poderá usar sua artilharia e sua aviação como achar melhor.”  “General, nós não somos uma tropa de montanha. Inda estamos esperando uniformes para operar naquele terreno. Também não recebemos todas as armas prometidas. Precisamos de mais tempo para preparação.” “General, a ordem foi dada. Dentro de cinco horas vamos atacar mais uma vez.” E Mascarenhas lembra com mal estar o americano se dirigindo para a porta, parando e olhando-o com dureza: “Nas próximas dez horas queremos cruzar a Linha Gótica e iniciar a marcha para Berlim. Com os brasileiros ou sem os brasileiros.” Saiu, bateu a porta e assim estavam as coisas, Mascarenhas diante de uma janela que dava para a escuridão da madrugada, uma caneca de café frio na mão. Sentiu a presença nas suas costas, mas não se virou. Sabia que era Brayner. “Estamos esperando pelo senhor, general.” “Já vou, Brayner, já vou.” Despejou o café na pia. “É uma pena que esfriou. Temos que ser econômicos.” “Sim, senhor.” “Eu o vejo taciturno, major.” “O estado das coisas me preocupa, general.” “Tudo nesta guerra me preocupa, Brayner. Fale.” Brayner fica calado, olhando pela janela para a noite escura, como ele fizera a pouco. “Você está sofrendo por mim, Brayner. Isso me deixa lisonjeado.”  Se aproxima dele e busca seu olhar. “Mas você acha que eu estou sendo covarde.” “Não, mestre, nunca.” “Ou estão acha que eles me humilham e eu não reajo. Eu não reclamo o suficiente das condições que eles nos impõem. Brayner, raciocine comigo: para quem eu vou me queixar? Para Deus? Estamos na guerra, Brayner, E não escolhemos o jeito que esta guerra é. Podia ser uma guerra simples, como as nossas lá em casa, mas não é. Nossos chefes são de outros países e sabemos que eles nos menosprezam. Eu posso alegar, está no meu direito como soldado profissional, que não aceito essas condições para entrar em ação. Minhas razões seriam bem aceitas, preciso defender os meus homens. E desconfio que é isso que esperam de mim, daquele general velho e baixinho com cara de tonto.” Brayner apanhou um cigarro, pediu licença com um gesto, colocou-o nos lábios. “Agora me diga, Brayner: você quer que eu faça isso?” Brayner ficou com o isqueiro aceso bem próximo do cigarro. “Você acha que eu devo recusar a missão porque não temos a plenitude dos meios, major Brayner?” “Não, senhor.” Você conhece alguém que queira que eu aborte o ataque, Brayner?” “Não, senhor.” “Os praças, Brayner. O que você acha que eles pensam? Você acha que eles vão gostar de ir para a retaguarda e ficar ouvindo para o resto de suas vidas que não lutaram porque não tinham boas condições para isso? Não. Não vamos nos subestimar, Brayner. Não vamos acreditar no que a Quinta Coluna diz de nós. Nós sabemos quem somos. Vamos fazer mais sacrifícios, meu amigo... vamos fazer mais sacrifícios, mas vamos tomar esse morro.  Agora, para a reunião.” Saíram da cozinha pela porta que dava para o pátio, respiraram o ar cada vez mais frio. Dirigiram-se ao Posto de Comando, onde o esperavam os oficiais do Estado Maior e os generais Zenóbio da Costa e Cordeiro de Farias. O Posto de Comando fora improvisado num galpão, que também funcionava como estrebaria no inverno. A um canto vários burros dormitavam junto a três vacas, aquecendo-se mutuamente. Havia uma mesa improvisada com pranchões de madeira e um posto de rádio, com os operadores a postos. Aquele galpão fora escolhido porque dali, com a grande porta aberta, podia-se, quando o sol iluminasse a região, ver perfeitamente o objetivo. Cercado de nuvens e de raios e trovões que continuavam a estalar , o Monte Castelo parecia um grande monstro imperturbável, ignorando a inimigo e suas preocupações. “Senhores, mais uma vez recebemos a missão de tomar o Monte Castelo. Desta vez o comando do V Exército confiou em nós e nos deu plena autonomia para planejarmos a investida. Se vencermos, acho que poderemos passar o Natal em casa. O próprio general Mark Clark virá ao clarear do dia para nos dar as ordens finais de batalha.”  “Que venha” disse rispidamente Cordeiro de Farias, “ele sabe muito bem que não tomaremos Monte Castelo.” Todos os rostos mostraram surpresa.  “Por que o senhor diz isso, general Cordeiro?” perguntou Mascarenhas com imensa cautela. “Porque acabamos de receber a notícia, comandante, de que os americanos foram desalojados do Monte Belvedere.”  “O que? Quem deu a notícia? Quando foi isso?” “A notícia acaba de chegar, comandante. Foi do próprio comando aliado que veio a informação. Mas eles mantiveram a ordem, e foram bem claros: vamos atacar quando clarear o dia.” “Perderam Belvedere?” “Positivo, senhor.” Os homens ao redor da mesa ficaram calados, olhando para o comandante. “Bem” disse Mascarenhas, pausadamente “sem a cobertura do Belvedere, o Castelo é inexpugnável. Mesmo assim eles mantiveram a ordem?” “Sim, senhor.” “Então, senhores, vamos pensar como proceder para um ataque frontal funcionar sem a proteção do flanco esquerdo.” “É suicídio.” disse Cordeiro de Farias. Zenóbio deu um tapa na mesa. “O comando desta operação é meu, e eu penso que se tivermos  um bom apoio de artilharia, um apoio maciço e contínuo da artilharia para nos dar cobertura e um ataque aéreo simultâneo nas posições deles, a infantaria sobe, ah, eu juro pelo meu saco roxo que sobe.  Senhores, eu li num livro (não faça essa cara, major Brayner) li num livro, um romance, Beau Geste, onde um personagem diz: existem muitos soldados e poucas batalhas. Senhores, nós temos a nossa batalha, isso é um acontecimento sublime. Nós somos privilegiados.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário