Os três generais
ficaram um bom tempo olhando para as montanhas meio encobertas pela névoa. “O Monte
Castelo é aquele bem no centro, o mais arredondado. Os outros são pontiagudos” disse
Zenóbio. Os três estiveram um bom tempo olhando a cadeia de montanhas, apoiados
no jipe, fumando. Era de manhã bem cedo. O frio, a cada dia, se tornava mais
intenso. O major Brayner aproximou-se com um binóculo pendurado no pescoço.
Onde estavam era uma espécie de mirante, com uma cerca de pedra. “Foi dado a
entender que é uma espécie de presente de Natal antecipado para nós” disse
Mascarenhas. “Mas o major Brayner acha que está mais para presente de grego”
disse Zenóbio. “Nossa missão é um ataque
frontal ao Monte Castelo” disse Brayner. Cordeiro de Farias apanhou o binóculo
de Brayner e olhou demoradamente as montanhas. “Frontal? Ataque frontal é
suicídio” disse Cordeiro. Brayner fez cara de eu-não-disse. “Esse Monte
Castelo, que os americanos chamam de Cota 970, é a nossa parte na operação. Os
americanos vão atacar pelos flancos e nos dar cobertura.” “O general Cordeiro
de Farias acha que é suicídio” disse Zenóbio. “Eu ouvi. O general Cordeiro é um
homem de bom senso, mas esta é uma determinação do comando do V Exército
Americano.” Mascarenhas de Moraes olhou com seus olhos mansos os três homens
sob seu comando. “Estamos sob as ordens do V Exército e como soldados nos cabe
cumprir a determinação.” “Vamos cumprir a missão, general” disse Zenóbio,
endurecendo a voz. “Vamos mostrar para americanos e
alemães nossa capacidade como soldados.” “Eu desconfio dessa missão” disse
Brayner. Zenóbio ficou sombrio. “Desconfia, Brayner? Desconfia de que?”
“Desconfio, general Zenóbio, de que não haverá teto para os aviões decolarem,
e, consequentemente, desconfio de que não haverá cobertura para uma operação
desse tipo.” “Esta operação é responsabilidade da Task Force 45, sob o comando
do coronel Truscott. Nenhuma responsabilidade é nossa” disse Mascarenhas. “Os
americanos tomarão o Monte Belvedere na direita e o Monte de la Torraccia na
esquerda, e nos darão cobertura adequada para avançarmos pelo centro.” “Se eles
não tomarem essas posições estaremos no mato sem cachorro” disse Zenóbio. “Como
chefe do Estado-Maior é minha obrigação alertar para os riscos desta missão,
comandante” disse Brayner, com cautela. “Nossa tropa está em combate há 70
dias, não teve tempo suficiente para descansar e recuperar as forças, e,
principalmente, as baixas não foram repostas. Há claros evidentes nas nossas
fileiras.” “Precisamos ter confiança na ação de nossos aliados, Brayner. É
difícil estar sob o comando de outro país, é uma experiência nova para todos
nós, mas precisamos nos acostumar, como todos que estão nesta guerra. Vamos
voltar para o PC.” Entraram no jipe e o motorista arrancou. Brayner olhou com
amargura para a cadeia de montanhas, fria e poderosa. “Amanhã vai estar
chovendo” disse, acendendo um cigarro e soprando a fumaça para o alto. Houve
missa na madrugada do dia 24, e a chuva caindo sobre o teto de lona da capela
deixava todos taciturnos. Assistiu à missa o comando da FEB inteiro, mais um
bom número de oficiais, sargentos, praças e enfermeiras. Fora da capela havia
uma enorme agitação. Caminhões passavam cheios de soldados e carros tanques
esmagavam o barro e esparramavam água suja. “Vamos pedir a Deus que nos ilumine
nesta hora de provação” disse o capelão, “porque vamos enfrentar as forças do
ódio e da maldade e vamos pedir a Deus Nosso Senhor que nos dê coragem para a
batalha que se aproxima.” Vários oficiais comungaram, o capelão lançou uma
benção e a tensão que pairava no ar frio da capela de lona pareceu assomar.
Todos apertaram as mãos, desejaram sucesso, deram palmadas nas costas. “A cobra
vai fumar!” gritou alguém. Deram risadas e repetiram o grito: “A cobra vai
fumar!” Quevedo levantou a lona do caminhão e espiou. “O caminhão parou, não
tem nem estrada aqui. Ei, vamos ter que subir essa montanha toda?” O Alemão, o
gago Atílio e Pedrinho também espiaram. “Vai ser fogo” disse o Alemão, “só nos
dão pedreira pra subir.” “Menos mal que
a chuva parou” disse Pedrinho, “mas mesmo assim não se vê nada com essa
cerração.” “Não precisa ver nada mesmo daqui de baixo” disse Quevedo “nós vamos
é lá em cima ver os tedescos bem de pertinho.” “Só de olhar essa subida já me
doem as pernas” disse o Alemão. O sargento Nilson saiu lá do fundo da
carroceria do caminhão. “Descendo, macacada, descendo!” Os soldados foram saltando para o chão
enlameado. “Ve-ve-jam o chão” disse o gago Atílio. “Ge-ge-gelo! T-t-tá
tu-tu-tudo gelado!” Escarvaram com a ponta das botas o chão, arrancaram
pequenas lascas de gelo. “O frio está chegando.” “Em fila, em fila!” gritava o
sargento Nilson. Da longa e sinistra fila de caminhões, vultos escuros na
madrugada, os soldados foram saltando para o solo gelado e começando a se
organizar em longa fila. Todos olhavam para o maciço paredão a sua frente com
um peso na alma. “Como vamos subir isso tudo?” era a pergunta em todas as
mentes. “Sabe o quê” disse Quevedo “nem uma caneca de café nos serviram.” “É
verdade” disse o Alemão “estou começando a sentir um buraco no estômago.” “Ei,
sargento” gritou Quevedo “esqueceram do rancho?” “Não é hora de perguntar isso,
praça, vai entrando em fila e batendo os pés para não encarangar.” “Mas,
sargento, saco vazio não fica em pé.” “Anda estupor, começa a se mexer, em
frente, vamos.” Começaram a se mexer no escuro, avançando sem saber para onde,
apenas iam em frente. “Dizem que é uma operação conjunta com os americanos”
disse o Alemão. “Então vai ser barbada, vamos tomar esse morro sem sofrer
muito.” “E os americanos, será que tomaram café?” Alguns deram risadas, outros
responderam com palavrões. “Como é mesmo o nome de morro?” perguntou Pedrinho.
“Dizem que é Monte Castelo” disse o Alemão. “Lá em cima a vista deve ser
bonita” disse Pedrinho. “Em frente!” gritava o sargento Nilson. “Em frente,
molengas! Vamos chegar lá em cima antes do sol aparecer! Vamos tomar esse
morrinho antes dos americanos, pra eles verem a força do carvão de pedra!” Eram
mais de mil soldados curvados, tiritando de frio, escorregando no chão enlameado,
com os dedos duros aferrados aos fuzis, subindo lentamente a montanha escura.
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