No observatório
do PC Mascarenhas olha com binóculos a figura de Zenóbio, agitado,
gesticulando. “O que está havendo?” pergunta a Brayner. “A informação que temos
é de que o capitão Uzeda chegou lá em cima, general.” “Graças a Deus, sabia que
podia confiar nesses rapazes!” “Mas não temos como nos defender de um
contra-ataque de blindados, se houver um.” “Não me irrite, Brayner. Não seja
derrotista.” “O Uzeda disse que está lá sozinho, sem cobertura, general.” “O
que? Como? E a cobertura dos americanos?” “O capitão Uzeda nos comunicou que não viu nem
sinal da 370. Simplesmente não apareceram.” “Não acredito nisso. Eles não nos
deram nem um aviso?” “Nada. Nossos rapazes estão lá expostos a um ataque de
blindados que já começou. O capitão Uzeda deu ordem de retrair, mas eles ainda
estão na cota 800, bem vulneráveis. Convém dar a ordem de retrair até nossas
linhas, pois não sabemos nada dos americanos.” Mascarenhas deu alguns passos a
esmo e parou de repente. “Avise o Zenóbio. Diga para ele dar a ordem de retrair
até nossas filas.” Zenóbio atendeu calmamente, mas com os dentes rangendo.
“Entendi, Brayner, já me comuniquei com o Uzeda, eles estão flanqueados lá em
cima. Vou mandar retirar antes que sejam cortados pelo meio.” Nilson passou o
rádio para Uzeda. “Positivo, general, vamos retirar enquanto dá.” Uzeda se
ergueu um pouco e olhou ao redor. Toda a tropa estava em posição defensiva,
granadas e morteiros explodindo ao redor, os tanques alemães avançando sem
vacilar e atirando com os canhões 88 mm. “Retrair!” berrou Uzeda “retrair,
retrair!” a ordem foi passando ao longo das filas e a grande massa de soldados
começou a descer a montanha em acelerado, protegendo-se nas dobras do terreno,
atrás de pedras e de troncos de árvores. “A quem interessa isso?” gemeu
Zenóbio. “Uma ação inimiga exatamente no flanco abandonado pelos americanos! Que
interpretação podemos dar?” “Senhores” disse o general Mark Clark “a tentativa
foi satisfatória, chegamos a conquistar posições dos alemães. Mas o
contra-ataque foi muito forte. É evidente que não vamos desistir. Vamos fazer
uma nova tentativa. Imediatamente.” “Se me permite, general” disse o general
Crittenberg “antes precisamos fazer uma avaliação realista do que aconteceu no
ataque.” “Seja breve, por favor.” “Na minha opinião os brasileiros não
mantiveram as posições conquistadas e isso criou um efeito em cadeia que
resultou no fracasso de toda a operação.” Na cozinha daquela casa de pedra,
estavam cinco homens: os generais americanos Mark Clark e Willys
Crittenberg, o general Mascarenhas de
Moraes e o major Brayner, mais o major Vernon Walters, oficial de ligação e
tradutor. Mark Clark era um homem de mais de dois metros de altura, mas sutil e
refinado no tratamento com seus colegas. Crittenberg tinha o temperamento
germânico, era rude e direto. A observação que fez deixou a todos num silêncio
embaraçoso. Mascarenhas olhou para o tradutor como se não tivesse entendido.
Ele repetiu as palavras. Mascarenhas fez um breve aceno com a cabeça, ergueu os
olhos para Crittenberg: “Discordo do senhor. Pelo que pude observar o motivo do
fracasso da operação foi a falta da cobertura encarregada ao vosso 370º-
Regimento de Infantaria, que simplesmente não apareceu no local combinado.”
“Pelo que sei, general Mascarenhas, os seus soldados nem sequer procuraram uma
forma de se estabelecer com firmeza no local onde chegaram.” “Fomos atacados
por tanques, tínhamos o flanco desguarnecido, porque o 370 não apareceu.” “Acho
que faltou vontade de fincar o pé e enfrentar os alemães.” “Senhores, senhores”
interviu Mark Clark “vamos ter tempo de analisar isso. Tenho ordens lá de cima
para não deixar a coisa esfriar e iniciar imediatamente um novo ataque.”
“Imediatamente, general?” Mascarenhas consultou o relógio. “Meia-noite. O
senhor quer dizer agora?” “As ordens são claras. Precisamos chegar em Bolonha
antes do Natal, faltam exatamente trinta dias. As pressões são enormes. Eisenhower,
Churchill, Stalin, até o Montgomery, todos eles, querem ver a Linha Gótica
cortada ao meio e essa é nossa missão. Cortar a Linha Gótica. Vamos atacar
dentro de uma hora.” “General” disse Mascarenhas “compreendo sua posição, mas
vamos cair na mesma armadilha. No dia de hoje não tivemos cobertura pelos
flancos e nem cobertura aérea. Com essa neblina os aviões não levantarão voo e
eu me questiono se as tropas estarão recompostas para voltar a subir, sem
descanso e sem uma preparação melhor para o ataque.” Crittenberg começou a
esboçar um sorriso mas Mark Clark o cortou elevando a voz. “Também compreendo
sua posição, general Mascarenhas, mas a decisão não é nossa. Temos ordens a
cumprir. Vamos preparar o ataque.” Mascarenhas, Zenóbio, Cordeiro de Farias e
Brayner falaram durante muito tempo em voz baixa ao redor da mesa de madeira,
olhando o mapa amassado diante deles. “Tudo que podemos fazer” disse
Mascarenhas “ é cobrir nosso flanco esquerdo com gente nossa, para não termos
outra surpresa dessas.” “Vamos mandar para o setor uma Companhia do 6º-, ela
nos dará a cobertura que os americanos não deram.” “As tropas estão exaustas”
disse Brayner “e um novo fracasso pode
ser nocivo para o moral.” “Não temos mais tempo para divagações, major. Vamos
com o que temos, vamos incentivar os homens, dar aos capitães ordens precisas,
mas vamos subir essa montanha e cumprir a missão.” E assim, as 2:30 da manhã,
os pracinhas receberam ordem de tomar posição para novo ataque. Lentamente
foram se posicionando atrás dos tanques americanos, foram se deslocando ao longo
da estrada esburacada pelas bombas, buscando proteção nas casas de paredes
destruídas das fazendolas do caminho. Ás três da manhã foi chegando reposição
de balas e granadas. Ás cinco, o rancho foi distribuído: café preto, bolachas e
duas barras de chocolate. Os homens sentiram uma ponta de conforto. Ás sete uma
cerração escura cobria tudo. Ás oito da manhã foi emitida ordem de avançar
contra o inimigo. Os tanques começaram a se mover. Pedrinho abriu os olhos
quando levou um empurrão do gago Atílio. Quevedo acendeu um cigarro: “Pode ser
meu último.” Todos olharam para ele com censura, mas o Alemão apanhou um
cigarro e acendeu-o. E deu uma risadinha. A tropa brasileira, pela segunda vez,
começou a caminhada tensa e dura para o cimo do Monte Castelo.
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