47.
Depois da
conquista do Monte Castelo, a passagem pelos Apeninos tornou-se mais acelerada.
Foram conquistadas pelos brasileiros, sem muito esforço, localidades há pouco
consideradas inexpugnáveis como La Serra, Bela Vista, Cota 958, Soprassasso,
Castelnuovo, Santa Maria Villena. Ninguém mais questionou a eficiência da FEB. Os
exércitos aliados avançavam com ímpeto na direção de Bolonha. Em todos os encontros
de comando se proclamava de peito inflado que chegara o momento da Grande
Ofensiva. Havia ansiedade e euforia. Faltava um sinal do Alto Comando Aliado. E
ele veio no dia 20 de março, quando em requerimento foram convocados todos os
comandantes de Divisão para uma reunião em Casteluccio. No dia 24 de março, na
sala de pedras de um castelo medieval, em torno de uma gigantesca mesa que
refletia o teto em abóboda, realizou-se a reunião secreta com a presença dos
comandantes de Divisão para a discussão do plano de operações para a investida
sobre Bolonha. Estavam presentes Mark Clark, Trussaud, Crittenberg, Hayes e
Mascarenhas de Moraes com todos seus estados-maiores. Para desgosto de
Mascarenhas, a FEB foi sendo relegada dos planos e ao final do dia, esquema
montado, nenhuma missão para os brasileiros. Foi então que o comandante da
Décima de Montanha coçou a cabeça e lamentou: “Temos um erro aqui. Tudo se
encaixa, menos o flanco esquerdo. Estou completamente desprotegido nesse lado.”
Crittenberg deixou transparecer sua perplexidade. Estavam magnetizados pelo
avanço rápido até Bolonha e esqueceram as precauções. “O maciço
Montese-Montello, ocupado pelo inimigo e fortemente armado de Artilharia, é uma
ameaça fundamental para o avanço” disse Hayes. Um silêncio caiu na sala em
penumbra e sobre os homens cansados de um dia inteiro de especulações e
montagens de táticas. “Com licença, senhores” disse Mascarenhas, prontamente
traduzido pelo major Vernon. “Minha Divisão está sem tarefa nesta empreitada.
Poderíamos nos ocupar de Montese, se nos derem essa honra.” Se havia alguma
ponta de ironia no semblante sério de Mascarenhas nenhum dos imponentes
generais acusou, mas Hayes foi rápido e jovial:
“O general Mascarenhas tem certeza de tomar Montese?” “Tenho. Mas quero saber se o general Hayes
tem certeza de aproveitar nossa vitória em Montese.” Todos deram risadas
comedidas, mas Crittenberg bateu na mesa como encerrando a questão. “O general
Mascarenhas nos dará Montese como precioso presente de primavera.” E no dia
seguinte foi distribuído aos oficiais o plano da Grande Ofensiva. Este era
longo, minucioso e técnico, mas terminava com um parágrafo curioso e que
mostrava o estado de ânimo de todos. “Sobre
prosseguir. Prossiga rapidamente, não amanhã, hoje a noite, esta tarde,
agora mesmo! Saiba para onde está indo. Saiba suas linhas atingir os objetivos.
Por exemplo: os brasileiros no vale a leste do Panaro. Não é momento para
cautela. Uma vez que começou a avançar, dê todo o vapor. Não estamos em 1942 ou
43. Estamos no fim. Podem se permitir ao risco. Se não acham que tem todas as
vantagens sobre o alemão, coloquem-se no lugar deles, e imaginem quanto de
espírito de luta ainda lhes resta. Jogue a precaução ao vento. Seja arrojado e
ativo. Nosso objetivo imediato é a Linha Negra. Quando chegarmos lá, teremos
apenas começado. Ali é que começa a arrancada final. O palco está pronto para a
matança.” E assim, duas semanas depois, preparados, armados e alimentados,
os brasileiros estavam diante de Montese. Mal sabiam eles que aquele seria o
maior desafio da aventura de guerra que estavam vivendo. “Então, isso é
Montese” disse Pedrinho, abaixado na vala, olhando para a cidade medieval,
fincada no alto da colina, com uma grande torre apontando para o céu. A cidade
era uma massa escura no lusco fusco do amanhecer. O cabo Quevedo, ao lado dele,
terminou cuidadosamente de enrolar um cigarro, acendeu-o e soprou a fumaça para
o ar. “Essa cidade está me dando um mau pressentimento” disse. O sargento
Nilson deu um tapa nas suas costas. “Pressentimento não é coisa de gaúcho,
cabo. Não leu a Ordem do Dia? Jogue a precaução ao vento.” “Essa poesia barata
só podia vir dos americanos” rosnou o segundo sargento Bóris, com um sorriso
perverso. “Poesia barata ou não, essa é a ordem” falou Nilson começando a
erguer a voz e começando a se irritar. “São seis horas em ponto e já já vamos
receber ordem de avançar. Vamos lembrar uma coisa, bando de pederastas
passivos: esta pode ser a última batalha da guerra. Tratem de ficar vivos.” Ainda
estava escuro, mas a claridade do sol espreitando atrás dos cerros começava a
definir os contornos da paisagem. O terreno na frente deles parecia uma
escadaria natural. Era formado por grandes degraus que se alternavam até as
primeiras casas, todas de pedra. “Os caminhos estão minados, portanto vamos atrás
dos sapadores, com cuidado onde botam o pé.” Aquela podia ser a última batalha
da guerra, essa era uma frase que andava no ar, solta como uma nuvem, e isso
era uma frase que atingia os soldados com sua ambiguidade de esperança e medo.
Por um lado o fim da guerra estava próximo, por outro: “Perder a vida na última
batalha é triste demais” disse o alemão Wogel. “É deprimente” disse Quevedo. O
sargento Max passou com seu Grupo de Combate. Nilson o interpelou: “Onde vão?”
“Sondar. Vamos tentar nos aproximar até aquela casa que tem uma fumacinha
saindo da chaminé.” “Cuidado com as minas.” “Vamos devagar.” “E os
jornalistas?” “Me livrei deles. Se grudaram em mim como carrapato, queriam
seguir junto com a patrulha, mas fiz ver ao coronel Pitaluga que não era
possível, eles iriam nos desviar o foco.” “Tá certo. Boa sorte, Max.” E o
sargento Max começou a avançar com sua patrulha, aproveitando os desníveis da
vasta escadaria natural que levava até os arredores de Montese. Estava já bem
próximo da casa da qual saía fumaça pela chaminé quando uma rajada de metralha
atingiu o grupo. O sargento Nilson sentiu um impacto na alma. “Meu Deus,
acertaram o Max.” Todos viram o lendário sargento Max, o Rei das Patrulhas,
dobrar o corpo e cair sobre os joelhos lentamente.
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