quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Monte Castelo: O Segundo Dia

45.


Ás seis da manhã, quando o sol frio do segundo dia do ataque iluminou a montanha, os batalhões do major Franklin e do major Uzeda, mais de dois mil soldados, já subiam as trilhas escarpadas. Havia um sentimento em todos os setores das linhas, o sentimento de que “desta vez vai”, como dissera o cabo Quevedo, mastigando sua ração. O batalhão do major Franklin progredira durante a madrugada silenciosamente, sem encontrar obstáculos, e começava a se aproximar das linhas de trincheiras alemãs mais avançadas. Mas aí parou: foi como se os defensores da montanha tivessem acordado de repente. Um fogo intenso e bem distribuído dizimou a vanguarda do batalhão Franklin em poucos segundos, causando súbito pânico, obrigando-os a se proteger e deter a progressão. “Muita calma, muita calma” dizia o major sem parar “vamos esperar o fogo diminuir e tentar um envolvimento.” Mas na verdade, o envolvimento daquele setor alemão só poderia ser feito pelo batalhão Uzeda. Este avançava por um setor mais íngreme, quase vertical, precisando utilizar equipamentos de alpinista que mal sabiam manejar. O gago Atílio ia pegado a Pedrinho. O gago Atílio tinha fobia de altura e subia praticamente de olhos fechados. Perto dele o major Uzeda atendeu o rádio que o sargento Horácio lhe estendeu. Era Mascarenhas de Moraes. “Como está a progressão, major?” “Estamos quase chegando na cota determinada, comandante.” “Muito bem, major.  Estamos todos confiantes na sua ação.” “Obrigado, comandante, não vamos falhar.” E então o major Uzeda estremeceu de horror porque o pescoço do sargento Horácio foi violentamente rompido em dois e esguichou sangue ao redor, encharcando sua jaqueta e suas mãos que instintivamente protegeram o rosto. Todos se encolheram quando nova rajada de metralha caiu sobre eles, pendurados na beira do abismo.  “Cobertura!” gritava Uzeda “tenente Iporan, cobertura!” O tenente Iporan vinha logo atrás deles em missão de cobertura e estava completamente desconcertado, porque não atinava de onde vinha o fogo. Nova rajada cai sobre os homens de Uzeda e três deles despencam e rolam pelo abismo, ficando presos vários metros abaixo em saliências da rocha. O tenente Iporan chama o sargento Nilson que chama o cabo Quevedo que chama o gago Atílio que se agarra a Pedrinho. “De onde vêm esses tiros?” “Dali.” Vinham detrás deles, de um local onde teoricamente jamais poderiam estar os alemães. Então ele viu um capacete, e em seguida dois capacetes.“Nossa Senhora” exclamou Pedrinho “são os americanos!” “São os caras da Décima!” “Alto, alto, não atirem, somos amigos, somos brasileiros, não atirem!” o capacete se ergueu um pouco mais e viram dois olhos arregalados de espanto. “Brasileiros?” O major Uzeda olhou para o rosto dilacerado do sargento Horácio e levantou a metralhadora contra os homens da Décima, trêmulo de fúria. “Americanos filhos da puta!” Mas o tenente Iporan se colocou na sua frente. “Calma, major, por favor!” A voz de Mascarenhas de Moraes ecoou no aparelho de rádio. “Major Uzeda, major, o que está acontecendo? Responda.” No Posto de Comando todo o Estado Maior ouvia pelos aparelhos de transmissão em fonia as vozes crispadas de ódio. “Fomos atacados pelas costas por homens da Décima, comandante. O sargento Horácio foi morto, e possivelmente há outros. Fomos atacados sem aviso e pelas costas.” “Mantenha a calma, major, é uma ordem. Não revide.” “Sim, senhor. Trate de se entender com eles, devem estar perdidos e confundiram vocês com alemães.” “Sim, senhor.” E foi o que aconteceu. Um capitão da Décima apareceu pouco depois, mas ao contrário do que esperavam, não parecia abalado nem pediu desculpas. “Posso ceder alguns dos meus homens para substituir os que o senhor perdeu, major” disse. Uzeda quase saltou no pescoço dele. “Quero que você saia da minha frente imediatamente. Imediatamente.” No Posto de Comando, ao iniciar a tarde, o segurança anuncia que se aproxima um grupo de visitantes. Mascarenhas vê entrar na sala da casa de pedras o comandante do XV Grupo de Exércitos, nada menos que o general Mark Clark, tendo a seu lado o general Truscott. E não era só, estavam também o general Crittenberg e mais quatro generais, sete ao todo com seus estados-maiores. A sala ficou pequena. Após os cumprimentos, Crittenberg pediu para Mascarenhas definir a situação. O major Vernon Walters traduzia. Crittenberg não gostou. “O Batalhão Franklin está detido? E o que o senhor está fazendo?” “O Batalhão Uzeda está executando uma manobra de envolvimento sobre os alemães que bloqueiam a progressão de Franklin pelo norte. Tiveram um contratempo, mas estão se aproximando, embora com lentidão. A região é muito escarpada.” “O senhor já empregou alguma reserva?” “Não. E não acho que seja o caso, pelo menos por agora.” “Onde se encontra sua reserva?” “Um batalhão em Gaggio Montano, o outro em Silla. Ambos serão acionados no momento oportuno.” Os dois generais se olharam com intensidade. Parecia que em alguns segundos um deles explodiria. Crittenberg apontou seu relógio de pulso. “A tarde já começou e ainda estamos longe de tomar o Monte Castelo. Nada! Mais uma vez.” Mascarenhas ia dar uma resposta dura, quando  Mark Clark interferiu: “O responsável pela manobra é o general Mascarenhas, senhores. A manobra está em curso e ele não solicitou nenhum auxílio. Não nos compete opinar neste momento. Na verdade, general Mascarenhas, passamos aqui apenas para desejar boa sorte. Senhores, eu os convido a nos retirarmos, porque o general Mascarenhas tem mais o que fazer do que nos dar atenção.” Crittenberg fechou o rosto, mas nada disse. Todos se retiraram com a mesma cautela com que chegaram. Mascarenhas sentou numa cadeira e deu um suspiro profundo. “O cowboy tem razão. A progressão está lenta. Já era para estarmos lá em cima.” “Perdemos mais de uma hora por causa da confusão com o pessoal da Décima que nos atacou, comandante” disse Brayner “até que eles se retirassem de nossa zona de ação e fossem substituídos não conseguimos avançar. Na verdade, segundo o major Uzeda, perdemos a chance de envolver completamente os alemães por causa desse contratempo. Eles conseguiram se retirar, inclusive arrastando canhões e armamentos.” “Muito bem, Brayner, mas vamos agir. Você vai subir a montanha.” “Sim, senhor.” “Quero que você faça um contato pessoal com o general Zenóbio. Diga-lhe que a Ordem de operações deve ser cumprida na íntegra. Diga-lhe que desejo chegar ao alto da crista ainda com a luz do dia. Agora vá, meu amigo, e tome cuidado.” “Sim, caro mestre, encontrarei o general Zenóbio em no máximo 30 minutos.” Brayner saiu da casa e olhou para a montanha gelada. Ia subir. O tenente Reverbel, seu ajudante, juntou-se a ele. Com o sargento Amaro de guia, começaram a subir a montanha que ardia ao som dos canhões e das explosões dos obuses.

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